Depois do estado de emergência, a calamidade. Quais são as diferenças? - TVI

Depois do estado de emergência, a calamidade. Quais são as diferenças?

O país deve aligeirar o nível de alerta, mas o que significa isso na prática?

O Presidente da República não vai propor a renovação do estado de emergência, que vigora de forma ininterrupta desde janeiro, por causa da situação de covid-19.

Agora, e numa fase em que o combate à pandemia parece evoluir positivamente, o país deverá passar para situação de calamidade, algo que já vivemos no ano passado. Mas, afinal, quais são as grandes diferenças entre estas duas figuras jurídicas?

Em resposta sucinta, a grande diferença está no órgão que declara o regime jurídico, mas também existem diferentes formas de operacionalização, sendo a situação de calamidade uma figura legal que atua com uma base mais local do que nacional, ainda que possa ser declarada a todo o país, sendo isso que deve acontecer.

1. Quem declara a situação de calamidade

O estado de emergência tem todo um processo legislativo pelo qual deve passar, numa espécie de ping-pong entre Presidente da República e Assembleia da República, que geralmente acaba com a regulamentação a ser feita pelo Governo.

Cabe ao chefe de Estado declarar o estado de emergência, o que acontece por intermédio do envio de um documento para o Parlamento, que depois vota a favor ou contra, necessitando apenas de uma maioria simples.

Aprovado, o estado de emergência volta ao Palácio de Belém, com o Presidente da República a promulgar essa situação, o que se tem seguido a um discurso curto à Nação por parte de Marcelo Rebelo de Sousa.

Findo esse processo, o Governo aprova em Conselho de Ministros o novo estado de emergência, podendo ou não regulamentar regras diferentes consoante os períodos.

Em situação de calamidade, a declaração da figura jurídica deixa de ter intervenção do Presidente da República, podendo ser declarada a nível nacional pelo Governo ou a nível local, pelos municípios onde a situação o justifique.

Foi o caso de Ovar, um dos concelhos que mais sofreu com a primeira vaga da pandemia, e que esteve vários dias em cerca sanitária, uma das regras previstas na situação de calamidade.

A situação de calamidade deve, em última instância, ser aprovada em sede de Conselho de Ministros.

2. Quando se aplica a situação de calamidade e qual o enquadramento legal

A situação de calamidade está prevista para situações em que aconteça um acidente grave ou uma catástrofe, e que exijam a adoção de medidas excecionais para repor a normalidade.

O enquadramento legal é regulamentado pela Lei de Bases da Proteção Civil, no artigo número 8, que prevê a "adoção de medidas adequadas e proporcionais à necessidade de enfrentar graus crescentes de risco", e que também tem as figuras de situação de contingência e situação de alerta, menos gravosas que a situação de calamidade.

Segundo a lei, esta figura legal pode aplicar-se "a qualquer parcela do território, adotando um âmbito inframunicipal, municipal, supramunicipal, regional ou nacional".

Já o estado de emergência vem regulamentado numa lei específica, estando ainda consagrado na Constituição da República Portuguesa, no artigo número 19, que incide sobre a suspensão do exercício de direitos.

Pode ser declarado em casos de calamidade pública ou de afronta à segurança nacional, tendo uma figura jurídica muito semelhante ao estado de sítio.

Em todos os casos, o estado de emergência deve ser declarado num âmbito nacional.

3. Quais as restrições previstas

Na prática, as restrições previstas na situação de calamidade são sensivelmente as mesmas, sendo a aplicabilidade e as forças que as fiscalizam a grande diferença.

Já vimos que existe uma atuação mais local, e as operações no terreno deixam de prever a intervenção das Forças Armadas, que podiam ser requisitadas no estado de emergência, passando a ser lideradas pela Proteção Civil.

Existe ainda uma restrição que é prevista exclusivamente no estado de emergência, mas que é paralela à situação atual. É que na atual figura jurídica, o Governo tem força de lei para impedir a realização de greves, enquanto o mesmo não é possível em situação de calamidade.

De resto, o Governo e as autarquias podem continuar a decretar cercas sanitárias, limitação de circulação ou o recolher obrigatório dos cidadãos. Estão ainda previstas eventuais modificação nos sistemas de transportes, comunicações ou de abastecimento de água e luz, tal como no estado de emergência.

O incumprimento de normas, designadamente o uso de máscara ou o distanciamento social, pode continuar a ser autuado por parte das autoridades.

4. Quanto tempo dura a situação de calamidade

Se o estado de emergência tem uma duração prevista de 15 dias, a situação de calamidade não tem um prazo legal definido, ainda que possa coincidir com um período semelhante ao do estado de emergência.

Portanto, na prática, não se prevê que o novo regime jurídico possa alterar substancialmente a forma como temos vindo a viver. As restrições restaurantes, em lojas, em casamentos, etc., devem continuar, independentemente da figura legal em vigor.

Na prática, o estado de emergência foi um regime criado a pensar numa situação de limite, mas que não abrange propriamente um caso de uma ameaça de saúde de pública como um vírus.

Em vez disso, o estado de emergência tem um quadro legal muito mais virado para ameaças à Defesa nacional, como seria o caso de uma invasão ou de uma guerra, por exemplo.

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