Violência doméstica: quando a vítima "não tem força para denunciar", quem a protege? - TVI

Violência doméstica: quando a vítima "não tem força para denunciar", quem a protege?

Comissário João Rocha, comandante da 7.ª Esquadra de Investigação Criminal da PSP, explicou como atua a brigada de violência doméstica que, muitas vezes, acaba por ser um ombro amigo das vítimas que ali chegam

Apresentar queixa de violência doméstica não é, como tantas vezes é dito, uma decisão fácil para as vítimas. Os medos do que pode acontecer e a falta de apoio que receiam encontrar nas autoridades fazem com que, muitas vezes, a queixa não seja feita e o quadro de violência doméstica continue.

Comissário João Rocha, comandante da 7.ª Esquadra de Investigação Criminal da PSP de Lisboa, é o responsável pela brigada de violência doméstica composta por agentes inspetores que, para as vítimas, são muitas vezes mais do que agentes: são o ombro amigo de que precisam para enfrentar esta luta.

"A vítima tem de se sentir à vontade para falar do quadro de violência doméstica que está a sofrer há muitos anos, que já aconteceu e acontece, a vítima tem de sentir que quem está ali na frente, aquele investigador está ali para ajudar e para tentar resolver ou minimizar, até à medida em que possa, o quadro de violência doméstica de que está a ser vítima", afirma.

Para o responsável pela brigada, os "investigadores da brigada de violência doméstica estão dotados de uma acuidade sensorial que lhes permite perceber que as pessoas têm um problema e que estamos ali para ajudar".

"Isso é fundamental. A partir do momento em que chegue à brigada de violência doméstica, a vítima só contacta com aquele agente até à decisão final em tribunal. Sendo certo que, muitas das vezes, os próprios agentes mantêm um contacto muito estreito com as vítimas".

Esse contacto é feito para "saber como é que está a situação" da vítima e, caso exista medida de coação de aplicada ao agressor de afastamento da vítima que não esteja a ser cumprida, o agente dá o alerta ao tribunal.

"O agente investigador contacta regularmente a vítima e basta ela dizer-lhe que o agressor compareceu no local de trabalho, na residência, ou que não está a cumprir a medida e nós avisamos de imediato a 7.ª secção do DIAP para que haja a possibilidade de alteração da medida de coação", revela.

Mas, para que se chegue à fase em que a polícia atua, muitas vezes a queixa tem de partir de alguém que não a vítima que "pode estar tão fragilizada que pode não estar com força para denunciar a situação". Um apelo que o comandante da 7.ª Esquadra de Investigação Criminal deixa para que se faça frente a este tipo de crime.

"Denunciem este tipo de crime. É um crime contra a dignidade do ser humano e devem denunciar, seja o vizinho, seja de forma anónima. Usem os nossos contactos para fazerem a denúncia. Não ajam na perceção de que tem de ser a vítima a fazê-lo, porque a vítima pode estar tão fragilizada que pode não estar com força para denunciar a situação. E esta denúncia, mesmo que seja de forma anónima, pode ser a mola catalisadora para inverter toda este quadro de violência doméstica em que a vítima está a sofrer". 

Para o comissário, o lema de que "entre marido e mulher não se mete a colher" está completamente fora de moda.

"Na polícia, certamente. É que nem faz sentido falarmos disso nos dias que correm", afirma. 

Jovens não estão consciencializados para o problema

E nem sempre as vítimas de violência doméstica são mulheres ou crianças. De acordo com dados de 2018, 20% das queixas apresentadas tinham como vítimas homens apesar de, também para eles, não ser fácil apresentar queixa.

"Vivemos numa sociedade que se diz moderna, mas em muitos aspetos patriarcal e não é fácil para um homem admitir que é vítima de violência doméstica".

Mais uma vez, as queixas podem ser apresentadas por qualquer pessoa, de forma identificada ou anónima, de forma a ajudar a vítima a sair dessa situação. No entanto, de acordo com o comissário João Rocha é mais provável que essa queixa parta de um adulto do que de um jovem, uma vez quem não parecem "consciencializados para denunciar este tipo de ocorrência".

"Penso que atualmente, um adulto que se depara com uma agressão mais facilmente denuncia do que um jovem, porque, para eles, parece-me que consideram normal o tal controlo do telemóvel, o tentar controlar aquilo que a namorada veste quando sai à noite, o tentar afastá-la do grupo de amigos, tentar no fundo cortar os laços com a sociedade e isso vê-se na camada mais jovem. Não vejo os jovens consciencializados para denunciar este tipo de ocorrência", afirma. 

Para o comandante da 7.ª Esquadra de Investigação Criminal, esta desinformação dos jovens "tem a ver com a dissociação da própria sociedade" e com as "responsabilidades que vão ter de assumir no futuro".

"Os jovens dissociam-se um pouco daquilo que é no fundo a responsabilidade e aí, se calhar, temos de recuar até à educação na família em que, como isto ainda é um crime de género, é determinado papel é para a jovem e determinado papel é para o jovem. Portanto, são preparados assim desde o início. E na escola penso que também se podia apostar mais na formação cívica nesse sentido, para serem verdadeiros cidadãos. Porque sendo um crime de género, as mulheres só conseguirão ter as mesmas oportunidades de igualdades na sociedade quando não for só de direito, que é o que consta na lei, mas também de facto. Só aí é que conseguiremos atingir o equilíbrio que todos andamos à procura", reitera.

Este ano, o crime de violência doméstica já fez 30 vítimas mortais: uma criança, 23 mulheres e seis homens. Este ano, o número de número de presos preventivos por violência doméstica aumentou 72%, o que significa que os juízes estão a aplicar com mais frequência as medidas de coação mais gravosas aos suspeitos.

Saiba onde e como pedir ajuda em STOP VIOLÊNCIA.

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