Casal português condenado a oito anos de prisão em Díli - TVI

Casal português condenado a oito anos de prisão em Díli

  • VC/CM
  • 24 ago 2017, 14:04

Tiago e Fong Fong Guerra vão cumprir uma pena efetiva de prisão pelo crime de peculato. Governo português promete apoiá-los

Um coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli condenou, nesta quinta-feira, o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra a oito anos de prisão efetiva e uma indemnização de 859 mil dólares por peculato.

Depois de vários atrasos e adiamentos, a juíza Jacinta Costa, que preside ao coletivo, leu o acórdão durante uma audiência que decorreu com duas interrupções, na sala principal do tribunal de primeira instância em Díli.

O tribunal declarou os dois arguidos coautores do crime de peculato e absolveu-os pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que eram igualmente acusados.

Os arguidos prejudicaram as finanças e a economia do Estado, e defraudaram o Estado de Timor. Atuaram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei e que eram criminalmente puníveis", disse a juíza que esteve durante mais de quatro horas a ler o acórdão da acusação.

Os arguidos estavam há quase três anos com termo de identidade e residência (TIR) , passaporte confiscado e proibição de saída do país.

Os dois portugueses foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental sendo central ao caso uma transferência de 859 mil dólares (792 mil euros), feita em 2011 a pedido do consultor norte-americano, Bobby Boye.

Boye foi um consultor pago pelo governo norueguês e posteriormente pelo governo timorense e que chegou a ser coarguido neste processo.

O tribunal deu como provado todos os factos da acusação considerando que os arguidos pretendiam com esta operação apropriar-se do dinheiro, dissimulando-o como fundos próprios para exonerar-se da sua responsabilidade criminal.

Num texto em que deram como provados praticamente todos os factos apresentados pelo Ministério Público, os juízes repetiram em muitos casos palavras textuais da acusação num acórdão escrito em português [ver mais abaixo].

Deram como provado que Boye - que defraudou o Estado timorense em milhões de dólares e está a cumprir pena nos Estados Unidos - tinha sido contratado pelo Governo e que o casal de portugueses, antigos vizinhos, sabiam que ele era funcionário.

Determinar que Boye era funcionário era essencial para provar o crime de peculato e, assim, poder provar o crime subjacente de branqueamento de capitais.

Os juízes consideraram provado que os dois arguidos abriram empresas em Timor e em Macau de forma concertada com Boye bem como os factos relativos à transferência e alegado conluio entre os arguidos, e que usaram a conta offshore para despistar a origem do dinheiro.

Para o tribunal a criação da sociedade Olive Macau, a escolha de um território offshore e outros aspetos do caso foram deliberadamente orquestradas pelos arguidos para se apropriarem dos fundos que sabiam que não lhe pertenciam.

Entre os argumentos o tribunal considera que desde que chegaram a Timor o casal abriu muitas contas bancárias no país, realizando muitas transferências sem que o seu volume de negócios a tal permitisse.

Considera ainda que o casal abriu sociedades para ocultarem as suas atividades ilícitas de branqueamento de capitais de origem criminosa.

No caso do crime de peculato e de branqueamento de capitais as penas máximas previstas no Código Penal timorense são de 12 anos de cadeia e para o crime de falsificação de documentos a pena máxima é multa ou três anos de prisão.

Sentença dá tudo como provado

O acórdão segue praticamente todo o texto da acusação e até a pena pedida pelo Ministério Público, ignorando todos os argumentos da defesa.

Num texto escrito em português - e que em alguns casos recorria a expressões mais comuns em Portugal do que em Timor-Leste (como a expressão 'fisco' ou o termo 'ludibriar'), o coletivo de juízes ignorou todas as provas documentais apresentadas pela defesa.

Um exemplo disso é o facto de o acórdão dar como provado que o alegado dinheiro desviado estava, ao mesmo tempo, em parte incerta e congelado na conta dos arguidos - aspeto que a defesa procurou insistentemente clarificar, solicitando que um especialista bancário internacional fosse ouvido, algo recusado repetidamente pelo tribunal.

O acórdão foi lido durante uma longa sessão que começou duas horas mais tarde do que o previsto, sem a presença na sala da procuradora principal, Angelina Saldanha, e se prolongou durante várias horas com a juíza a dar como provado tudo o apresentado pelo Ministério Público.

A sentença lida pelos juízes não teve em conta uma nova fase de declarações finais, referentes a aspetos introduzidos pelo próprio coletivo de juízes quando o julgamento já estava visto para sentença, incluindo uma "alteração não substancial dos factos" que a defesa considerou "inadmissível e extemporânea" e a alteração da qualificação jurídica.

Hoje, Rui Moura, advogado de defesa, considerou estranho que as alegações - que por norma e de acordo com as regras processuais servem para que o tribunal tenha conhecimento das posições das partes - sejam pedidas quando a decisão já estava preparada e ia ser lida.

Na sua intervenção, o advogado considerou que o Ministério Público não conseguiu fazer prova de que os arguidos são culpados "e que cabe ao MP fazer essa prova e não aos arguidos provar que são inocentes", devendo prevalecer em caso de dúvida o princípio do in dubio pro reu, absolvendo o casal.

A sessão começou com o tribunal a deliberar sobre um requerimento da defesa que contestava o facto de o coletivo de juízes ter na anterior sessão - e momentos antes de pretender ler o acórdão com a sentença - decretado uma alteração da qualificação jurídica da acusação, num aspeto central ao caso.

Em concreto a juíza Jacinta da Costa queria concretizar na acusação uma alínea do código penal sobre a definição de funcionário público, algo essencial para que exista o crime de peculato.

A defesa considera que a alteração é "materialmente inconstitucional" por "violação do princípio da segurança jurídica dos princípios do Estado de direito democrático e do princípio da plenitude das garantias da defesa dos arguidos".

O coletivo de juízes rejeitou a posição da defesa considerando que Boye é funcionário, que essa qualidade de funcionário se estende aos arguidos e que se deve manter a qualificação jurídica alterada, rejeitando que seja inconstitucional.

Em resposta a defesa insiste nos argumentos pelos quais Boye não se encaixa na definição de funcionário e apresenta novo requerimento sobre o que diz serem contradições num despacho do tribunal sobre o paradeiro do dinheiro, pedindo novamente a audiência de um perito internacional, algo indeferido pelo tribunal.

O caso arrastou-se desde outubro de 2014 quando Tiago e Fong Fong Guerra foram detidos na capital de Timor-Leste, país de onde estiveram proibidos de sair desde então.

A sessão de hoje, como tem ocorrido nas últimas do julgamento, contou com a presença de representantes do corpo diplomático, em concreto das embaixadas de Portugal e da União Europeia e da delegação da ONU em Timor-Leste.

Muitos amigos do casal também estiveram na sala principal do Tribunal de Díli.

Governo promete apoio

O Governo português garantiu hoje que continuará a prestar todo o apoio, através da rede diplomática e consular, ao casal de portugueses condenado.

Trata-se de uma situação complexa que tem vindo a ser acompanhada com muita preocupação por este Governo. Neste âmbito, a rede diplomática e consular continuará a acompanhar a situação e a prestar todo o apoio aos cidadãos em questão, no garante de todos os direitos fundamentais, nomeadamente em sede de recurso da decisão proferida”, consta numa nota do secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, enviada à agencia Lusa.

O Governo português “espera e confia que a tramitação do processo se faça de acordo com a lei e a justiça”, refere ainda a nota onde se dá conta de que o Governo tomou conhecimento da pena aplicada e também da intenção já manifestada pela defesa da apresentação de recurso.

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