Norma que suspende polícias é insconstituticional - TVI

Norma que suspende polícias é insconstituticional

PSP (LUSA)

Decisão do TC apenas abrange o caso concreto de um agente e não tem força geral e obrigatória, mas os Sindicatos da PSP defendem que se aplique a todos os casos

Os sindicatos da Polícia da Segurança Pública defendem que a norma do regulamento disciplinar, que suspende e retira parte do vencimento aos polícias, declarada agora inconstitucional, tenha força obrigatória e seja aplicada a todos os casos.

O Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucional o artigo 38.º, nº.1, do Regulamento Disciplinar da PSP, em vigor há 26 anos, que suspendeu de funções e que retirou um sexto do vencimento a um polícia pronunciado por crimes com penas superiores a três anos, por violação dos princípios da presunção da inocência do arguido e da proporcionalidade.

A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, a Federação Nacional de Sindicatos de Polícia, o Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia e o Sindicato Unificado da Polícia reiteram a necessidade de alterar e atualizar o "desatualizado" regulamento disciplinar, e pedem à tutela que estenda esta decisão do TC a todos os polícias suspensos por esta norma.

Apesar de a decisão do TC se aplicar apenas a um polícia/arguido em concreto, Peixoto Rodrigues, do Sindicato Unificado da Polícia (SUP), acredita que foi dado "um passo importante ou mesmo decisivo para que a sua aplicação com força obrigatória e geral seja uma realidade dentro em breve" e para que "centenas de polícias deixem de ser gravemente prejudicados por esta norma".

Segundo o SUP, nos últimos dois anos acompanhou cerca de 65 polícias que ficaram suspensos ao abrigo desta norma.

Em respostas escritas enviadas à Lusa, o Ministério da Administração Interna (MAI) e a Direção Nacional da PSP dizem "não comentar decisões judiciais".

Ambas salientam que o TC "formulou um juízo de inconstitucionalidade relativo a um caso em concreto", acrescentando "não terem conhecimento formal" de que este tribunal tenha emitido uma decisão de força obrigatória geral.

"A PSP limita-se a analisar esta decisão casuisticamente e não tem conhecimento formal de que o tribunal tenha emitido uma decisão de força obrigatória geral, motivo pelo qual limitar-nos-emos a aplicar ao caso em apreço", esclarece a Direção Nacional da PSP.

O presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) espera que esta decisão acelere o processo de alteração ao regulamento disciplinar que está em análise no MAI, mas vai pedir à tutela que, entretanto, tome medidas.

A Federação Nacional de Sindicatos de Polícia (FENPOL) apela à Direção Nacional da PSP para que levante imediatamente todas as suspensões fruto desta norma, "uma vez que se encontram nesta situação inúmeros profissionais da PSP".

O presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia tem a expetativa de que esta decisão do Constitucional acelere as mudanças já defendidas pelos sindicatos.

"Entendemos que deve servir como impulso decisivo para a alteração do regulamento disciplinar que se impõe e que vem sendo adiada por motivos que não se compreendem. Reforço que, do conhecimento que tenho, o processo está bloqueado no ministério há muito tempo", frisou Henrique Figueiredo.

Decisão do TC

O acórdão do Tribunal Constitucional (TC), datado de 3 de fevereiro deste ano, a que agência Lusa teve acesso, nesta quinta-feira, julgou "inconstitucional a norma do artigo 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (...), por violação do princípio da presunção de inocência do arguido (...), conjugado com o princípio da proporcionalidade".

A decisão surge na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público, que discordou do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o qual, por acórdão proferido em abril de 2015, já considerara que a regra violava estes princípios, e deu razão a um polícia que intentou uma ação de impugnação contra o ato do diretor nacional da PSP que, ao abrigo desta norma e com base num despacho de pronúncia contra o agente policial, "determinou a suspensão de funções até à decisão final absolutória ou até à decisão final condenatória".

O arguido em causa está a ser julgado em Lisboa, num processo com mais 12 polícias da divisão de Cascais, 14 civis e uma empresa, pronunciados por segurança privada ilegal, tráfico de droga e de armas, extorsão, corrupção e coação, entre outros crimes.

Em declarações à Lusa, o advogado que avançou com a ação de impugnação, destaca a importância desta decisão do Constitucional, que apenas abrange o caso concreto do seu cliente e não tem força geral e obrigatória.

"Esta decisão do Tribunal Constitucional é inédita e consideramo-la muito importante porque, além do meu cliente, estão muitos outros polícias suspensos de funções por via desta norma, quando a mesma foi agora declarada inconstitucional", sublinhou Hélder Cristóvão.

O n.º 1 do artigo 38.º do Regulamento Disciplinar da PSP vigora desde 20 de fevereiro de 1990, e refere que "o despacho de pronúncia ou equivalente com trânsito em julgado em processo penal por infração a que corresponda pena de prisão superior a três anos determina a suspensão de funções e a perda de um sexto do vencimento base até à decisão final absolutória, ainda que não transitada em julgado, ou até à decisão final condenatória".

Sempre que os polícias/arguidos requeiram a abertura de instrução e o Juiz de Instrução Criminal decida por um despacho de pronúncia e consequente julgamento, o tribunal informa a Direção Nacional da PSP que automaticamente aplica o artigo 38.º, n.º 1.

Caso não haja abertura de instrução, após o Ministério Público deduzir acusação, o processo segue diretamente para julgamento e esta norma não se aplica.

O TC reconhece que a medida de suspensão automática de funções de polícias sujeitos a despachos de pronúncia pode ser encarada como uma medida cautelar destinada a preservar, independentemente de qualquer outra ponderação, a integridade e o prestígio da função policial na sua relação com os cidadãos e com o público em geral.

Contudo, os juízes do Constitucional frisam que há princípios que têm de ser respeitados.

"A sujeição do arguido a uma medida, ainda que de natureza cautelar, que se baseie num juízo de probabilidade de futura condenação, viola o princípio da presunção de inocência que se encontra constitucionalmente garantido até à sentença definitiva, pois que é aplicada com o exclusivo fundamento numa presunção de culpabilidade", sustenta o acórdão do TC, que teve como relator o juiz Carlos Fernandes Cadilha.

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