Urgência de pediatria do Garcia de Orta não assegura "as condições mínimas de segurança para os doentes” - TVI

Urgência de pediatria do Garcia de Orta não assegura "as condições mínimas de segurança para os doentes”

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  • 14 out 2019, 07:22

Em causa está a falta de médicos pediatras do Hospital Garcia de Orta, em Almada, distrito de Setúbal, que fez já com que a urgência pediátrica estivesse encerrada entre as 20:00 de sábado e as 08:00 de domingo

Pediatras do Hospital Garcia de Orta pediram a intervenção urgente da Ordem dos Médicos na situação do serviço de urgência, por considerarem que não há condições mínimas de segurança para os doentes em vários momentos.

Também os médicos internos, em formação, denunciam que têm sido “incessantemente coagidos pela administração para cumprirem horas de urgência além do estipulado por lei” e que são “pressionados” a trabalhar numa urgência com uma equipa de apenas dois elementos, quando o mínimo exigível seria quatro.

Em causa está a falta de médicos pediatras do Hospital Garcia de Orta, em Almada, distrito de Setúbal, que fez já com que a urgência pediátrica estivesse encerrada entre as 20:00 de sábado e as 08:00 de domingo.

Numa carta enviada ao bastonário dos Médicos no início deste mês, e a que a agência Lusa teve acesso, os pediatras do Garcia de Orta consideram que a situação que o serviço de urgência atravessa é grave e que se “deteriorou muito” no último ano, apesar dos vários alertas feitos em finais de 2018.

Em alguns dias, a equipa de urgência de pediatria é composta apenas por dois elementos, “não estando assim garantidas as condições mínimas de segurança para os doentes”.

“Estamos diariamente a ser confrontados com dias de urgência com equipas incompletas, pressionados para fazer mais horas extraordinárias ou na esperança que exista disponibilidade de pediatras de outras instituições, o que tem sido muito pontual”, contam os médicos do Garcia de Orta.

Além de terem saído 13 assistentes hospitalares que trabalhavam na urgência nos últimos dois anos, as últimas quatro vagas atribuídas em concurso pelo Ministério da Saúde nem sequer foram ocupadas.

“Atualmente, apenas nove assistentes hospitalares fazem urgência externa no serviço de pediatria, dos quais um se encontra em licença de maternidade, dois têm mais de 50 anos (estando isentos de trabalho noturno) e dois com mais de 55 anos que aceitam manter atividade regular na urgência. Assim, destes nove apenas quatro podem assegurar a urgência no período noturno”, refere a carta enviada à Ordem.

Também os médicos em formação de especialidade de pediatria no Garcia de Orta escreveram à Ordem a pedir ajuda para resolver o problema e a solicitar a “proteção dos internos”.

“Temos assistido a uma degradação gradual e constante das condições de trabalho, da atividade assistencial e da atividade formativa do serviço por consequência direta das ações e decisões de entidades superiores, apesar dos esforços sobre-humanos dos elementos do serviço para protegerem os internos, o serviço e, acima de tudo, a qualidade dos cuidados prestados à população”, refere a carta dos internos a que a Lusa teve acesso.

Fecho da urgência é falência do Estado

O bastonário da Ordem dos Médicos considera que o encerramento da urgência pediátrica do Garcia de Orta representou uma “falência do Ministério da Saúde e do Estado”, que está há meses sem resolver a situação.

Em declarações à agência Lusa, o bastonário Miguel Guimarães disse que vai escrever à ministra da Saúde a alertar novamente para a “grave carência” de pediatras no Hospital Garcia de Orta, em Almada, lembrando que se algum acidente acontecer naquele serviço de urgência terá de ser o Ministério da Saúde a assumir responsabilidades.

Miguel Guimarães adiantou ainda que vai dar conhecimento da carta enviada ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “para que em ninguém fiquem dúvidas do que se está a passar no Garcia de Orta”.

A Ordem vai ainda preparar uma carta para enviar a todos os diretores clínicos do país, de hospitais públicos e privados, a avisar para a importância de respeitarem as equipas tipo estabelecidas nos serviços, sendo este um dos problemas da pediatria do Garcia de Orta.

“Esta será uma carta aberta, a alertar os diretores clínicos [que são médicos] para que têm de respeitar a constituição das equipas tipo, lembrando que podem ter responsabilidades disciplinares nesta matéria, porque a falha das equipas tipo pode diminuir a segurança clínica”, explicou Miguel Guimarães à Lusa.

O bastonário acrescentou também que vai criar um novo documento de “declaração de responsabilidade”, que os médicos devem assinar quando entendem não estarem asseguradas as condições dos seus serviços. Miguel Guimarães pretende que esses documentos lhe sejam enviados diretamente e que possam servir para “assacar responsabilidades políticas” pelas insuficiências de meios nos serviços de saúde.

Sobre a urgência pediátrica do Garcia de Orta, o bastonário entende que “é inaceitável e incompreensível que a situação não tenha sido ainda resolvida”, recordando que os médicos andam desde o ano passado a chamar a atenção para a falta de médicos. Sublinha ainda que este serviço recebe cerca de 150 crianças por dia e que chega a ser assegurado por um médico especialista e um médico interno (em formação de especialidade).

Miguel Guimarães recorda que chegou a apresentar uma participação à Inspeção-geral das Atividades em Saúde sobre a situação, já há meio ano, a pedir que fosse investigada a composição das equipas da urgência pediátrica do hospital em Almada.

Até ao momento, o bastonário disse não ter obtido resposta e, do que sabe, a IGAS ainda não apresentou qualquer resultado de uma investigação sobre o assunto.

Num recado ao poder político, Guimarães sublinha que a Ordem “não aceita que os médicos continuem a ser escravizados e a servir de bode expiatório do sistema”, lamentando medidas para reter clínicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“Não é aceitável que um especialista leve para casa menos de 1.700 euros”, exemplificou.

O bastonário insiste que faltam cerca de cinco mil médicos no SNS e que os profissionais que lá trabalham estão “sobrecarregados” e muitas vezes sem “as condições mínimas” de trabalho.

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