Neto de Moura tira pulseira eletrónica a homem que furou tímpano à mulher ao soco - TVI

Neto de Moura tira pulseira eletrónica a homem que furou tímpano à mulher ao soco

  • CM
  • 25 fev 2019, 12:05

Juiz do Tribunal da Relação do Porto, que, num polémico acórdão, invocou a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com apedrejamento, voltou a pronunciar-se sobre um caso de violência doméstica

O juiz Neto de Moura, autor de um polémico acórdão que invocou a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com apedrejamento, voltou a pronunciar-se sobre um caso de violência doméstica, desta feita retirando a pulseira eletrónica a um homem que rebentou o tímpano à mulher ao soco.

Para o juiz do Tribunal da Relação do Porto (TRP), cuja decisão foi proferida em 31 de outubro do ano passado, ou seja, muito antes da advertência recebida pelo Conselho Superior da Magistratura na sequência do processo de violência doméstica que se tornou mediático, o tribunal de primeira instância que condenou o agressor a três anos de prisão com pena suspensa e à obrigatoriedade de usar pulseira eletrónica pelo mesmo período não fundamentou a necessidade de recorrer àquele meio de controlo à distância para proteger a vítima.

Nos últimos tempos têm-se acentuado os sinais de uma tendência de sentido contrário, em que a mais banal discussão ou desavença (...) é logo considerada violência doméstica e o suposto agressor (...) é diabolizado e nenhum crédito pode ser-lhe reconhecido", escreveu Neto de Moura, considerando, no entanto, que não foi este o caso na "decisão recorrida".

Segundo o acórdão do TRP, que está disponível online, Neto de Moura considera mesmo que "este caso de maus tratos está longe de ser dos mais graves que surgem nos tribunais".

A única situação, devidamente concretizada, de violência física (aquela que, normalmente, é mais grave e tem consequências mais nefastas) é a ocorrida em abril ou maio de 2016, em que o arguido desferiu vários socos [na vítima], atingindo-a nas diferentes zonas da cabeça, incluindo os ouvidos, provocando-lhe perfuração do tímpano esquerdo, além de edemas, hematomas e escoriações. Todas as outras situações são de ofensas verbais e ameaças. Nunca o arguido utilizou contra a ofendida qualquer instrumento (de natureza contundente ou outra) ou arma de qualquer espécie, embora a tenha ameaçado de morte quando tinha na sua posse um objeto não identificado, com a aparência de arma de fogo."

O juiz sublinhou, também, que o agressor "demonstra perfeita consciência das implicações decorrentes da sua conduta ilícita" e que este "interiorizou a censurabilidade do seu comportamento", pelo que a pena revista para dois anos e oito meses de prisão "revela-se mais adequada à culpa do arguido e satisfaz as exigências da prevenção".

Neto de Moura disse ser "compreensível que a ofendida se sinta, ainda, intimidada e insegura, com receio de que o [agressor] concretize as ameaças", no entanto, para o juiz, "não está, de todo, justificado" o período de três anos em que o arguido teria de usar a pulseira eletrónica, isto porque o arguido "nunca mais incomodou a sua ex-mulher e cumpriu, escrupulosamente, as medidas impostas", como o tratamento da sua dependência alcoólica, além de que o casal está já divorciado e o único filho de ambos é adulto e autónomo.

Não há razões de prevenção, nem se antolha qualquer razão válida para que a pena acessória de proibição de contactos tenha duração superior à pena acessória de frequência de programa de prevenção de violência doméstica: um ano. Na sentença recorrida determinou-se, ainda, que a proibição de contactos com a vítima fosse fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância. Também essa decisão não está, minimamente, fundamentada."

Além de que é necessário o consentimento do arguido para usar pulseira eletrónica, uma vez que a bateria tem de ser carregada, e "não se vislumbra que tal consentimento tenha sido obtido".

Neto de Moura admitiu, neste acórdão, que a violência doméstica é um "flagelo social", mas, no seu entender, "ao contrário do que se proclama, não é legítimo afirmar que se verifica um recrudescimento do fenómeno".

O que acontece é que a maior transparência das relações familiares confere visibilidade a actos que antes ficavam escondidos no universo fechado em que a família se estruturava." 

 


 

 

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