De vítima a ativista, Marcella ajudou estudantes a denunciarem crimes de violência sexual - TVI

De vítima a ativista, Marcella ajudou estudantes a denunciarem crimes de violência sexual

  • Henrique Magalhães Claudino
  • 25 jun 2020, 16:43

Marcella foi drogada e violada depois de uma saída num bar do Cais do Sodré. A experiência fez com que se apercebesse da dimensão do problema na sua universidade

Foi num bar no Cais do Sodré que tudo começou. Marcella encontrou-se com um turista do Canadá numa noite que depressa evoluiu para algo que não queria.

A certo ponto, ainda só tinha bebido uma cerveja e ele deu-me outra cerveja e eu depois percebi que não era só uma cerveja, percebi que ele tinha posto qualquer coisa lá dentro. Fiquei quase inconsciente”, afirma a estudante da Universidade de Lisboa.

Marcella recorda-se que “não conseguia andar” e que “mal conseguia falar”. Para ela, “de alguma maneira achava que este tipo de coisas só aconteciam nos filmes e não me estava a acontecer”.

Achava que estava a consentir quanto àquilo que estava a acontecer. Ele disse-me para o levar para minha casa e eu de alguma maneira aceitei e aconteceu”, Marcela explica que o desconhecido foi embora logo a seguir e que se sentiu envergonhada.

Durante algum tempo não conseguiu desembaraçar tudo aquilo que sentia, até que chegou à conclusão que tinha sido abusada sexualmente e que tinha de agir. Percebeu também que na sua faculdade existiam várias vítimas de violência sexual com demasiado medo de denunciar o agressor.

Não nos dão espaço para sermos vítimas, tentam-nos convencer de que nós estamos a aceitar tudo quando aceitamos só uma coisa. Por exemplo, eu aceitei encontrar-me com ele para bebermos uma cerveja e isso deu-lhe o direito sobre o meu corpo. Demorei algum tempo a perceber que eu não tinha consentido com aquilo. Não havia maneira de eu consentir a alguma coisa no estado de consciência em que estava”, confessa.

Mesmo quando tentou falar sobre o seu caso, algumas pessoas disseram-lhe apenas que tinha mudado de ideias e que estava arrependido ou que estava a mentir. Tudo porque, diz, demorou a perceber o que tinha acontecido.

Marcella decidiu imprimir várias folhas com a mensagem ”Porque é que eu não reportei” e colá-las nas casas de banho femininas da sua faculdade.

Vi que várias pessoas no mundo inteiro estavam a colar em sítios públicos para outras vítimas falarem do porque é que não reportaram os casos. E eu decidi copiar e imprimir em minha casa e colar nas casas de banho da minha faculdade. Pensei em colar em lugares públicos, mas eu sabia que iam gozar com aquilo. Que aquelas pessoas que relatavam as suas experiências iam sentir vergonha”.

 

Eu sei que muitas mulheres foram vítimas de abusos ou assédio sexual, diria até a maior parte delas”, afirma.

Daniela, colega de Marcella, recorda-se de ver a mensagem nas casas de banho e de só aí perceber a dimensão do problema no seio das universidades. 

À TVI diz que “não é uma coisa de que se fale muito, mas sempre que se sabe de uma situação há um alerta de colegas para não virem para aqui porque aconteceu isto há uns dias. Sim, é uma realidade que me parece bastante comum”.

Sofia Costa Escária, Presidente da Federação Académica de Lisboa, conduziu uma investigação sobre a violência sexual nas faculdades na Universidade de Lisboa. No estudo, é identificado que a maior parte dos estudantes não se sente seguro nas zonas envolventes, por exemplo, os parques de estacionamento, as paragens dos transportes públicos, autocarros, metros entre outros. 

Precisamente porque são zonas com menos iluminação, zonas onde são abordados por pessoas. Acima de tudo são zonas com menos segurança”, afirma Sofia Escária, sublinhando que se verifica um clima de mau estar. “Como verificámos no estudo, a grande maioria, cerca de 90% não reporta e não denuncia que é alvo destes crimes, nem daquilo que se passou”.

Segundo o estudo, a esmagadora maioria (93,2%) dos alunos já foi abordado no parque de estacionamento e 40,8% sentiram medo na paragem de autocarro ou estação de metro. Um terço dos estudantes já sofreu, pelo menos uma vez, crimes de violência sexual que envolvem contacto físico.

A PSP já tomou conhecimento deste tipo de situações e, de acordo com o subintendente Sérgio Barata, a polícia quer tentar, num futuro próximo, implementar algum sistema de videovigilância para as zonas envolventes da Cidade Universitária “que nos parece que também seria uma forma importante de combater algumas situações de criminalidade que possam aqui ocorrer”.

Quis mostrar que, como somos tantas, não há motivos para nos escondermos e não falarmos disso porque se não falarmos nada vai mudar. É importante que toda a gente saiba que isto está a acontecer e que tem de parar, porque nós nunca estamos sozinhas e eles querem que nos sintamos sozinhas para não falarmos disso”, afirma Marcella com um brilho nos olhos.

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