«Jesus dizia-me que se tivesse chegado três anos antes fazia de mim o melhor lateral do mundo» - TVI

«Jesus dizia-me que se tivesse chegado três anos antes fazia de mim o melhor lateral do mundo»

Schelotto em entrevista ao Maisfutebol

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Ezequiel Schelotto cumpre a terceira temporada no Brighton, de Inglaterra, depois de deixar o Sporting. O lateral direito, que foi titularíssimo com Jorge Jesus, nos melhores anos recentes da formação leonina, olha para o que ficou dessa fase com o distanciamento necessário.

Nesta primeira parte da entrevista, Schelotto fala do Sporting e de Jorge Jesus. Revela que ainda hoje em Inglaterra joga da maneira como Jorge Jesus lhe ensinou e conta que ele e Jesus chocavam muito, mas que era uma relação de amor-ódio: chateavam-se e abraçavam-se, chateavam-se e abraçavam-se.

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Tem saudades de Portugal?
Sim, um pouco. Em Portugal vivi momentos lindos. A minha filha nasceu aí. Tenho amigos e ex-companheiros com quem continuo a falar todos os dias. Eu queria ficar mais tempo, mas pronto, foram dois anos e gostei muito. Agora estou há três anos em Inglaterra e estou cómodo aqui.

Porque é que não ficou mais tempo no Sporting?
Porque se tomaram decisões. Vou estar agradecido sempre ao treinador, à direção, aos adeptos. Como te disse, queria ficar mais tempo. Antes de acabar a minha segunda época já tinha renovado por mais quatro anos, mas depois o treinador e a direção queriam outra solução. Eu respeitei isso. Sempre fui um jogador exemplar dentro e fora de campo. As pessoas sabem o que dei pela camisola do Sporting, sempre fui um jogador de garra. Como disse na altura, tenho um leão dentro do peito. Mas o treinador disse-me que queria mudar e aí eu não podia fazer, não posso mudar as pessoas. Gosto de dar tudo no campo, fi-lo até ao último segundo e ainda hoje os adeptos do Sporting me dizem que tenho de voltar. ‘Galgo, galgo, volta, tens de voltar’. Não sei, pode acontecer. Eu estarei para sempre agradecido ao Sporting e a Portugal pelo que fizeram por mim e pela minha família.

Sempre foi assim aquela pessoa apaixonada e emocional que se viu no Sporting?
Sim, sempre. Sou uma pessoa muita emocional. Sempre tentei ajudar os meninos com menos experiência no balneário, com a minha forma de jogar e de ser, tentei ser um exemplo para todos. É a minha forma de ser e de jogar. Se sou uma pessoa querida em Portugal, é porque fui eu mesmo.

Que memórias lhe ficaram de Jorge Jesus?
O Jorge Jesus é uma pessoa a quem vou estar sempre agradecido, porque foi ele quem me lançou como lateral no mundo do futebol. Lembro-me de uma vez ter vindo falar comigo e me dizer: ‘Se tivesses vindo trabalhar comigo há três anos, fazia de ti o melhor lateral direito do mundo. Infelizmente para ti, chegaste com 26 anos a Portugal’. Lembro-me também que eu estava em Itália, ele ligou-me para o telemóvel e disse-me: ‘Vens jogar para cá e vais ser lateral direito, não quero que penses em mais nada. E se me escutares, vais ser um grande lateral direito’. E a verdade é que foi assim. Em dois anos joguei com 60 jogos como lateral pelo Sporting. Foi tudo por causa dele, que viu em mim um lateral, e vou estar-lhe agradecido por isso.

Mas ele também não é um treinador fácil...
Tem um carácter difícil, é verdade, mas se excetuarmos isso, foi sempre um pai para mim. Por isso nunca vou estar rancoroso com ele. Não tenho nada contra ele. Mesmo quando me disse que não ia contar comigo para a época seguinte, eu respeitei e segui em frente. Desde então, e ainda hoje, jogo aqui no Brighton da maneira que ele me ensinou. Aqui em Inglaterra os jogadores têm muitas dificuldades taticamente e eu jogo à maneira de Jorge Jesus, como ele me ensinou. E por isso foi fácil para mim jogar em Inglaterra.

Quando Jorge Jesus disse que com ele ia ser lateral direito, não pensou ‘estou gajo está maluco’?
Ele disse-me isso porque sabia que eu o podia fazer. Se pensasse que não o podia fazer, não me dizia nada. Ele é uma pessoa visionária, parece que vê o futuro. Sabe que há jogadores que podem jogar noutras posições e que podem fazer mais do que o que faziam. É um treinador difícil, porque quer que os jogadores deem tudo. Lembro-me que os treinos dele eram muito duros. Demoravam sempre duas horas e não podíamos relaxar nem um segundo. Por isso consegue retirar o melhor de cada jogador. O Bryan Ruiz, por exemplo, já era um jogador consolidado e mudou muito para melhor. Coates, Rui Patrício, Adrien Silva, William Carvalho, João Mário, todos eles jogadores que cresceram e saíram para grandes clubes. Eu nunca o vi como um louco. Vi-o sempre como alguém que me ia ajudar a crescer não só fisicamente, mas também a nível mental. Melhorei muito mentalmente.

Quando chegou ao Sporting o Jorge Jesus trabalhou muito consigo para ser lateral?
Sim, sim. Lembro-me que acabava o treino e eu tinha de ficar a trabalhar com ele. Ofensivamente eu já tinha os conceitos necessários, por isso ele disse-me que tinha de melhorar a parte defensiva. Ficávamos sempre meia hora ou uma hora a trabalhar esses conceitos. Só quando em novembro de 2015 é que fiz o meu primeiro jogo, na altura para a Taça da Liga, e aí começou a minha história no Sporting. Foi nessa altura que ele achou que eu estava preparado. Mas a verdade é que não me custava ficar. Os jogadores geralmente, depois de um treino, querem ir para casa descansar. Eu sempre gostei de trabalhar, gosto de treinar e gostava de aprender com as indicações de Jesus. Nunca desaproveitei o que me ensinou. Como já disse, ele é uma pessoa que me é muito querida.

Por tudo o que já disse, calculo que o sucesso dele no Brasil não o surpreenda...
Não, nada. Seguramente quando chegou ao Flamengo disse o mesmo que disse quando chegou ao Sporting: quero ser campeão, vocês vão ter todos de melhorar e se me ouvirem vão melhorar. Quem não me ouvir, não joga. Se repararem, os jogadores do Flamengo hoje são cobiçados por todas as equipas da Europa. Fez um grande trabalho, ganhou o Brasileirão, ganhou a Libertadores, chegou à final do Mundial de Clubes e nada disso me surpreende. É um grande treinador.

Sabendo-se que tanto o Schelotto como o Jesus têm sangue quente, não chocavam muito?
Chocávamos. Chocávamos muitas vezes, sim [risos]. Muitas vezes mesmo. Lembro-me que num jogo com o V. Guimarães chocámos durante o jogo. Cinco minutos, eu sofro uma falta, levanto-me e confronto o outro jogador ao lado do banco do Sporting. O mister Jesus estava a um metro de mim. Então entrou em campo e foi uma batalha entre nós. Ainda hoje me lembro disso. Eu sou argentino, não? Ele sabia isso, sabia que nós os argentinos somos assim, gostamos de guerra. Nos treinos também acontecia muito. Ele gritava-me ‘Galgo, mais rápido, mais depressa’, mas eu já estava cansado, duas horas sempre a correr. E ele sempre ‘Galgo, Galgo, Galgo’. Então às vezes explodia. ‘Ei mister, calma, não sou o Super Homem’. Mas no final do treino ou do jogo ficava tudo bem. Ele conhecia a minha forma de jogar e eu conhecia a forma de ele ser. Era uma relação de amor e ódio. Discutíamos e abraçávamo-nos, discutíamos e abraçávamo-nos.

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