Um percurso sem bolinhas vermelhas: os momentos do campeão - TVI

Um percurso sem bolinhas vermelhas: os momentos do campeão

Os dez jogos-chave da conquista do 19.º título pelos leões

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A dimensão do título deste Sporting resume-se em breves palavras: a equipa de Ruben Amorim é apenas a quarta campeã a chegar até aqui sem derrotas. Falta, claro, jogar a visita à Luz e depois a receção ao Marítimo na última jornada. Dois passos apenas para a eternidade.

Chegados aqui, Portugal viu três campeões imaculados: em 1972/73, o imbatível Benfica do treinador Jimmy Hagan fechou o percurso com umas inacreditáveis 28 vitórias e só dois empates; em 2010/11, o FC Porto de André Villas-Boas atropelou a concorrência em 27 triunfos e três igualdades; dois anos depois, Vítor Pereira guiou os dragões ao tricampeonato com 24 vitórias e seis empates.

Quais os méritos maiores de Ruben Amorim e da sua criação? As palavras soarão sempre a pouco, mas talvez os dez momentos escolhidos pelo Maisfutebol ajudem a clarificar qualquer coisa. Dez momentos sem uma única bolinha vermelha no canto superior direito.

Estes foram os dez pontos decisivos do 19.º campeonato do Sporting.

1 – Cair na UEFA para ter tempo e equilíbrio no campeonato

Não foi propositado, nada teve de estratégico, nunca fez parte dos planos. Aconteceu. A 1 de outubro, e só com uma jornada do campeonato realizada, o Sporting despediu-se da Liga Europa. E com um estrondo notável. A equipa de Ruben Amorim recebeu em Alvalade o modesto LASK Linz, chegado da idílica Áustria, e foi goleada por 4-1. Voltaram os temores, a certeza de mais uma temporada falhada, as acusações de incompetência e desrespeito pela rica história leonina.

O grupo de trabalho fechou-se, não abanou com o desaire e encontrou neste insucesso uma forma de organizar com mais espaço e tempo de recuperação as ambições nas provas internas. Enquanto os adversários diretos se desdobravam em viagens e 90 minutos de exigência máxima na Champions e na Liga Europa, o Sporting ganhou tempo.

Até determinada fase da época, essa gestão mais simples de jogos e pernas fez toda a diferença.

2 – Matar a desconfiança na Mata Real e em Portimão

O lastro de desilusão era pesado. Épocas a fio a carpir mágoas, convulsões internas, um plantel com poucas provas dadas. Conclusão: para quem via de fora e tinha a tentação de analisar, tudo neste Sporting sugeria que as coisas voltariam a correr mal. O ponto número um deste artigo reforçou a sensação, mas a verdade é que as duas primeiras jornadas do campeonato mostraram outra coisa completamente diferente.

Na visita a um Paços de Ferreira que se viria a mostrar uma equipa de excelência, o Sporting venceu por 2-0 (golos de Jovane e Seba Coates) e controlou o jogo do princípio ao fim. A meio dessa semana aconteceu o tal desaire contra o LASK, mas em Portimão os leões recompuseram-se e venceram novamente com segurança: 2-0, golos de Nuno Santos e Nuno Mendes nos primeiros 11 minutos.

3 – Um 2-2 para impor respeito ao dragão campeão

No primeiro grande teste frente a um oponente direto, o melhor que se pode dizer do Sporting é que não se encolheu. Recebeu o campeão em título, marcou primeiro (Nuno Santos, 9 minutos) e resistiu às duas pancadas desferidas pelo FC Porto até ao intervalo (Uribe aos 25 e Corona aos 45).

Noutros tempo, não muito distantes, o Sporting talvez abanasse e caísse com estrondo. Principalmente pela necessidade que também teve de lidar com um penálti assinalado e depois revertido, após suposta falta de Zaidu sobre Pedro Gonçalves.

Ruben Amorim foi expulso nos protestos e foi já da bancada que lançou para o relvado cartadas sempre ofensivas: Luciano Vietto, Tiago Tomás, Gonzalo Plata e Sporar. O prémio apareceria perto do fim através do avançado argentino, que poucos dias depois se transferiria para o Médio Oriente.

Vietto fechou o clássico aos 87 minutos e avisou que este Sporting não tinha feitio para se render antes do tempo.

4 – Pote começa a encher de golos

Suplantar expetativas. Pedro Gonçalves, o Pote, é o melhor exemplo de um jogador que excede – em muito – aquilo que dele se esperava. A boa época no Famalicão certificava a qualidade, sim senhor, mas poucos se atreveriam a identificar naquele corpo de baixa estatura um avançado temível.

A primeira amostra de golos e de uma relação rara com a baliza apareceu na hora certa. Nos Açores, à quinta jornada, o Sporting apanhou pela frente um Santa Clara de grande competência e teve de sofrer até perto do fim (lá está) para agarrar os três pontos: 1-2 e bis de Pedro Gonçalves, com remates certeiros aos 20 e 81 minutos.

O Pote encheu pela primeira vez com golos e iniciou em Ponta Delgada um ciclo de seis jornadas consecutivas a marcar. Chega a esta fase a lutar pela Bola de Prata com Seferovic, um verdadeiro homem de área. Uma grande contratação.

5 – Marcar no fim: exemplo número um

Já falámos do golo de Vietto ao FC Porto (87 minutos) e do golo de Pote nos Açores (81), mas o primeiro jogo em que o Sporting explorou de facto todos os instantes do jogo, até ao apito final, foi na receção ao Gil Vicente, no jogo relativo à primeira jornada, que tinha sido adiado.

O futebol moderno é visceral, alimenta-se do tempo, tudo parece instantâneo e até a memória é devorada à velocidade da luz. Talvez já não se lembrem, mas vejam bem isto: aos 83 minutos, o Sporting perdia em Alvalade por 1-0 contra os minhotos. Acabou a ganhar por 3-1.

Sporar, Tiago Tomás e Pedro Gonçalves fizeram três golos na reta final e provaram que este Sporting não enfermava das debilidades emocionais de tantas das versões antecessoras. Crença, convicção, desejo. Não foi à toa que a equipa foi buscar tantos pontos nos últimos suspiros de tantos jogos.

6 – A Fúria do Herói: empate e polémica em Famalicão

Ao longo das últimas épocas – mais numas do que noutras – o Sporting foi tomado por um conformismo entrevado difícil de perceber. Como se a derrota fosse um destino inevitável, uma maleita para a qual não havia vacina disponível no mercado. Em Famalicão, à nona jornada, os leões de Amorim mostraram que não estavam para isso.

A equipa deixou dois pontos na casa famalicense, mas a forma furiosa como reagiu ao semi-insucesso provou que este conjunto de jogadores era feito de uma massa diferente. Detesta perder, reage mal a tudo o que não é uma vitória e não se coíbe a demonstrar a frustração.

Depois de mandar em quase todo o jogo, o Sporting parecia ter sobrevivido a um penálti falhado e a um ‘frango’ de António Adán, mas o Famalicão chegou ao 2-2 com um libre batido exemplarmente por Jhonata Robert em cima do minuto 90.

Coates ainda meteu a bola na baliza famalicense nos descontos – uma marca identitária deste Sporting -, mas o VAR alertou o árbitro para uma falta do uruguaio sobre o guarda-redes. No túnel para os balneários, a fúria sportinguista cheirou à fúria dos campeões.

7 – Um Natal sem indigestões

Sporting-Farense, 1-0, golo de Sporar já depois do minuto 90. De penálti. Dia 19 de dezembro de 2020, bem perto do Natal que tantas vezes no passado vestiu a pele do Adamastor e impediu a nau leonina de dobrar a Boa Esperança.

Questões de arbitragem à parte – a falta do guarda-redes Defendi sobre Feddal, e consequente expulsão, foi muito contestada pelo Farense -, o Sporting voltou a tipificar uma característica muito própria: decidir tudo em cima da hora.

Por esta altura, já se percebia que Ruben Amorim criara uma equipa sólida (e solidária) no aspeto defensivo, bastante equilibrada e com elementos na frente com capacidade para decidir. Se não fosse no génio, lá o conseguiam na raça. Nada a apontar.

8 – Matheus Nunes ‘mata’ o Benfica, tarde e a boas horas

Enquanto o povo e os Media se entretinham com a questão jurídico-disciplinar a envolver João Palhinha (relevante, naturalmente), Ruben Amorim preparava o substituto do médio no sossego de Alcochete: Matheus Nunes. O treinador acertou no jackpot.

Aos 90+2 minutos do dérbi de Alvalade, o menino médio aproveitou uma sapatada em esforço de Vlachodimos e cabeceou para o fundo da baliza das águias. O Sporting resolvia novamente nos descontos um capítulo importantíssimo na corrida para o título.

À jornada 16, o Sporting deixava o rival da Luz a nove pontos da liderança e praticamente afastado da luta pelo objetivo maior da temporada. Ao mesmo tempo, Ruben Amorim provava que a sua equipa não cedia nos jogos de maior relevância (mediática, desportiva, histórica) e reforçava o estatuto de equipa-sensação.

João Palhinha? Acabou de ser despenalizado, foi para o banco e entrou para os últimos 30 minutos. O herói, porém, foi outro: Matheus Nunes.

9 – Anular o Dragão e sair dez pontos na frente

A 27 de fevereiro, o FC Porto teve a oportunidade de usurpar o domínio leonino no campeonato. Ou, pelo menos, de limitá-lo. Os leões entraram com dez pontos de vantagem no Dragão e saíram… sem arranhões.

O clássico foi fechado, duro, sem grandes oportunidades. Tudo aquilo que Ruben Amorim desejava. Os dragões pareciam ser, por essa altura, os únicos capazes de remover o Sporting da frente mas, ao falharem neste confronto direto, entregaram aos deuses da fortuna (e ao próprio Sporting, já agora) a definição da prova.

Num teste duríssimo em casa de um rival que tem sido o maior vencedor do futebol nacional no pós-25 de abril, o Sporting apresentou a cara de competidor nato e resistiu de forma exemplar ao longo de 90 minutos.

É verdade que Mehdi Taremi teve duas vezes o golo nos pés, mas a maior oportunidade até foi de Matheus Nunes: numa transição rápida, o herói do ponto número oito ganhou em velocidade a Otávio e, perante Marchesín, atirou ao lado.

10 – Sobreviver a Braga com uma expulsão aos 18 minutos

Jornada 29. Decisiva. O 25 de abril foi libertador para os leões de Amorim. A equipa chegava a Braga com seis pontos perdidos nas quatro rondas anteriores e mais pressionada do que nunca pelo FC Porto. A vantagem de dez pontos esfumara-se e passara a quatro.

O Sporting jogava na pedreira e os dragões visitavam Moreira de Cónegos no dia a seguir. Em teoria, dois dias perfeitos para Sérgio Conceição acreditar numa aproximação ainda mais forte ao topo. Debalde.

Apesar da expulsão mais do que madrugadora de Gonçalo Inácio (minuto 18) e dos muitos ataques e algumas ameaças do Sp. Braga, o Sporting resistiu e decidiu tudo à boa maneira do classicismo italiano: sofrimento, fortuna e uma dose generosa de cinismo.

Num livre aparentemente inofensivo, Porro simulou o cruzamento e fez um passe vertical e rasteiro para Matheus Nunes na área. O Sp. Braga demorou a reagir e Matheus aproveitou para rematar para o fundo da baliza, com o homónimo dos Guerreiros do Minho a ficar muito mal no lance.

Estrelinha de campeão? Pois claro que sim.

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