«O Benfica não facilitou nadinha» no jogo de 85 contra o Paredes - TVI

«O Benfica não facilitou nadinha» no jogo de 85 contra o Paredes

Vítor Móia (Arquivo pessoal)

As memórias de Vítor Móia, um homem que foi campeão nacional pelas águias em 1975 e que, dez anos depois, era treinador-jogador no clube nortenho. «O Carlos Manuel meteu-se comigo no final: ‘Ouve lá, tu não jogaste hoje porquê? Tens aqui uma grande equipa’»

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Dia 4 de maio de 1985. Festa feérica em Paredes para a receção ao Paredes, quartos-de-final da Taça de Portugal. Perdão: festa, sim senhor, mas em Penafiel. O pelado do campo das Laranjeiras não é aprovado pela FPF e o jogo muda para a cidade vizinha e para um pelado.

As águias treinadas por Pal Csernai ganham por 3-0 [veja o resumo VÍDEO no final do artigo], mas o Paredes faz uma boa segunda parte e ainda assusta Manuel Bento. Valem os golos de Manniche, Wando e Nené, todos antes da meia-hora, para qualificar as águias.

O ‘take dois’ do Paredes-Benfica está agendado para este sábado, 21 de novembro. Boa ocasião para puxar atrás e recordar o duelo de há 35 anos com a grande figura dessa tarde. Uma década depois de ajudar o Benfica a ser campeão nacional – com um golo marcado ao Sporting no registo -, Vítor Móia é em 85 o treinador-jogador do Paredes.

O Maisfutebol apanha-o em Linda-a-Velha e aproveita para recuperar a carreira do antigo avançado e técnico algarvio. Fundado em 1924, o União Sport Club de Paredes tem no histórico também um jogo contra o Sporting (2-1 em Alvalade a 8 de fevereiro de 2006) e um contra o FC Porto (0-5 a 4 de fevereiro de 1990), sempre para a Taça de Portugal.

Maisfutebol – Sabemos que o Paredes-Benfica é um jogo especial para si.
Vítor Móia – Muito especial, sim senhor. Vivo em Linda-a-Velha, estou reformado e vou ter tempo para vê-lo com calma na televisão. Gosto muito do Paredes, mas sou benfiquista.

O Vítor foi campeão nacional no Benfica em 1975 e chegou a Paredes em 1984.
É verdade. E foi em Paredes que iniciei o meu percurso como treinador. Um percurso que durou até 2011. Acabei na ilha do Pico, nos Açores, a treinar o Madalena.

Vítor Móia com a faixa de campeão nacional em 1975 (arquivo pessoal)

Começou no Paredes? Não tínhamos aqui esse registo.
Poucos sabem disso. Depois de sair do Benfica passei pelos Estados Unidos, joguei no Sp. Espinho, no Marítimo e quando tinha 36 anos apareceu-me o Paredes. O clube estava na III Divisão Nacional e queria subir. Eu fui para lá como jogador, mas as coisas não estavam a correr bem e o treinador que lá estava acabou por sair. Foi nessa altura que a direção me convenceu a ser treinador-jogador. Ainda fiz alguns jogos depois disso, escolhia-me a mim próprio (risos).

No Paredes-Benfica de 85 já era treinador-jogador?
Já, já. Isso já é numa fase adiantada da época. Fui fazendo uma perninha ao longo da época, mas a partir de determinada altura decidi estar sobretudo a orientar a equipa de fora. Na Taça de Portugal eliminámos o Marinhense e eu fiz três golos, mas contra o Benfica achei que devia dar a oportunidade a jogadores que nunca tinham tido o prazer de jogar contra uma equipa dessa dimensão.

O Paredes subiu à II Divisão e chegou aos quartos-de-final da taça. Foi uma época muito boa.
Tínhamos uma equipa muito jeitosa e com atletas de alguma experiência. Jogávamos bem e o clube não nos faltava com nada. Havia uma boa condição financeira e ao dia 30/31 tínhamos já recebido um mês antecipado. Eliminámos também o Moreirense que estava na II Divisão, lembrei-me agora, e nesse jogo fiz dois golos.

O vosso campo era pelado e tiveram de receber o Benfica em Penafiel.
Sim, a FPF obrigava-nos a jogar no relvado a partir dos oitavos-de-final. Metemos cinco mil pessoas contra o Marinhense e contra o Benfica a ‘casa’ estava a abarrotar. Ia muita gente ao futebol nessa altura. Ainda me lembro da equipa inicial do Benfica nesse jogo: Bento; Pietra, Oliveira, Samuel e Álvaro; Nunes, Carlos Manuel e Diamantino; Wando, Manniche e Nené. Lembro-me bem porque na altura fiquei surpreendido. O treinador Pal Csernai não poupou ninguém e utilizou a equipa mais forte. O Bento e o Nené tinham sido meus colegas de equipa e disseram-me que não iam facilitar nadinha, porque lhes tinham dito que tínhamos boa equipa. Foi pena termos sofrido os golos muito cedo.

Vítor (à direita) ao lado do irmão Miguel antes de um Almada-Paredes em 84/85

Aos 30 minutos estava 3-0 para o Benfica. E ficou assim até ao fim.
Nós fazíamos muito golos e na segunda parte ameaçámos o Benfica. Alguns jogadores meus tiveram dificuldades na adaptação ao relvado, porque jogávamos quase sempre em campos pelados. Alguns nunca tinham jogado com pitons de alumínio. Isso explica o resultado ao intervalo, mas a segunda parte do Paredes foi muito boa. Lembro-me de ter falado com o meu grande amigo Carlos Manuel no final e dele se meter comigo: ‘Ouve lá, tu não jogaste hoje porquê? Tens aqui uma grande equipa, Vítor’.

Portanto, o Vítor acabou por não entrar no jogo.
Não entrei, não. Decidi mostrar os miúdos ao país. Tínhamos o Rui Meireles, um menino com uma qualidade excecional. Jogava muito. Tenho uma imagem muito nítida desse jogo.

No Paredes eram todos amadores?
A nossa equipa era semi-profissional. O guarda-redes Paquete tinha jogado no Leça, o Magalhães também era, o Carvalhinho e o Hermínio também eram. O Rui Meireles era estudante, o Carlitos trabalhava, o José Filipe era formado em engenharia, tínhamos o brasileiro Dilson que passara pelo Sporting anos antes. Era uma equipa semi-profissional. Lembro-me bem do plantel porque foi a primeira equipa que treinei. Tínhamos qualidade. Entrámos mal no jogo, o Benfica aproveitou, mas ainda mostrámos a nossa qualidade. E o mais importante era subir de divisão.

É verdade que nos EUA chegou a jogar contra o Pelé?
É, essa é a minha coroa de glória. Já lhe envio uma foto minha ao lado do Rei. Tive o gosto de jogar com muitos craques. Bento, Eusébio, Jordão, Shéu, Vítor Batista, Toni, Moinhos, Artur Jorge, Simões, Humberto Coelho, Artur, Bastos Lopes, Diamantino, Nené. Estive em 72/73 na equipa que foi campeã nacional sem derrotas, mas só joguei nas outras provas. Em 74/75 é que joguei com regularidade e fui campeão. No Oriental, em 73/74, fui o quarto melhor marcador do campeonato.

Vítor Móia a jogar contra Pelé nos EUA (arquivo pessoal)

O único golo do Vítor pelo Benfica foi marcado ao Sporting. Que pontaria.
Na equipa principal foi, sim senhor. Fiz trio de ataque com o Nené e o Vítor Batista nessa tarde. Dois homens radicalmente diferentes, antagónicos. O Vítor, coitado, não foi bem acompanhado e meteu-se em trabalhos. Deu cabo da vida dele, mas era um rapaz impecável, tinha um feitio especial. O meu grande amigo Nené, que faz 71 anos e a quem dou os parabéns, era o meu colega de quarto e meu companheiro de pesca. Nos intervalos do futebol íamos bastantes vezes à pesca. Boa gente, boa gente.

Nesse Paredes-Benfica de 85, o Vítor deve ter sido a figura da tarde. Todos o conheciam no Benfica.
Bem, a tarde foi de festa em Penafiel. E, sim, toda a malta do Benfica quis falar comigo e matar saudades. O Bento disse-me que não lhe podíamos fazer golos (risos), as brincadeiras do costume. Foi um jogo muito especial para mim. O resultado não foi assim muito desnivelado e na segunda parte chegámos muitas vezes à baliza do Bento. Eu estive quase para me meter em campo, porque contra o Benfica ‘molhava sempre o bico’. Se estivesse 1-0 ou 2-0, tinha entrado para resolver as coisas.

VÍDEO: o resumo do Paredes-Benfica de 1985 (imagens RTP)

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