Dia 4 de maio de 1985. Festa feérica em Paredes para a receção ao Paredes, quartos-de-final da Taça de Portugal. Perdão: festa, sim senhor, mas em Penafiel. O pelado do campo das Laranjeiras não é aprovado pela FPF e o jogo muda para a cidade vizinha e para um pelado.
As águias treinadas por Pal Csernai ganham por 3-0 [veja o resumo VÍDEO no final do artigo], mas o Paredes faz uma boa segunda parte e ainda assusta Manuel Bento. Valem os golos de Manniche, Wando e Nené, todos antes da meia-hora, para qualificar as águias.
O ‘take dois’ do Paredes-Benfica está agendado para este sábado, 21 de novembro. Boa ocasião para puxar atrás e recordar o duelo de há 35 anos com a grande figura dessa tarde. Uma década depois de ajudar o Benfica a ser campeão nacional – com um golo marcado ao Sporting no registo -, Vítor Móia é em 85 o treinador-jogador do Paredes.
O Maisfutebol apanha-o em Linda-a-Velha e aproveita para recuperar a carreira do antigo avançado e técnico algarvio. Fundado em 1924, o União Sport Club de Paredes tem no histórico também um jogo contra o Sporting (2-1 em Alvalade a 8 de fevereiro de 2006) e um contra o FC Porto (0-5 a 4 de fevereiro de 1990), sempre para a Taça de Portugal.
Maisfutebol – Sabemos que o Paredes-Benfica é um jogo especial para si.
Vítor Móia – Muito especial, sim senhor. Vivo em Linda-a-Velha, estou reformado e vou ter tempo para vê-lo com calma na televisão. Gosto muito do Paredes, mas sou benfiquista.
O Vítor foi campeão nacional no Benfica em 1975 e chegou a Paredes em 1984.
É verdade. E foi em Paredes que iniciei o meu percurso como treinador. Um percurso que durou até 2011. Acabei na ilha do Pico, nos Açores, a treinar o Madalena.
Começou no Paredes? Não tínhamos aqui esse registo.
Poucos sabem disso. Depois de sair do Benfica passei pelos Estados Unidos, joguei no Sp. Espinho, no Marítimo e quando tinha 36 anos apareceu-me o Paredes. O clube estava na III Divisão Nacional e queria subir. Eu fui para lá como jogador, mas as coisas não estavam a correr bem e o treinador que lá estava acabou por sair. Foi nessa altura que a direção me convenceu a ser treinador-jogador. Ainda fiz alguns jogos depois disso, escolhia-me a mim próprio (risos).
No Paredes-Benfica de 85 já era treinador-jogador?
Já, já. Isso já é numa fase adiantada da época. Fui fazendo uma perninha ao longo da época, mas a partir de determinada altura decidi estar sobretudo a orientar a equipa de fora. Na Taça de Portugal eliminámos o Marinhense e eu fiz três golos, mas contra o Benfica achei que devia dar a oportunidade a jogadores que nunca tinham tido o prazer de jogar contra uma equipa dessa dimensão.
O Paredes subiu à II Divisão e chegou aos quartos-de-final da taça. Foi uma época muito boa.
Tínhamos uma equipa muito jeitosa e com atletas de alguma experiência. Jogávamos bem e o clube não nos faltava com nada. Havia uma boa condição financeira e ao dia 30/31 tínhamos já recebido um mês antecipado. Eliminámos também o Moreirense que estava na II Divisão, lembrei-me agora, e nesse jogo fiz dois golos.
O vosso campo era pelado e tiveram de receber o Benfica em Penafiel.
Sim, a FPF obrigava-nos a jogar no relvado a partir dos oitavos-de-final. Metemos cinco mil pessoas contra o Marinhense e contra o Benfica a ‘casa’ estava a abarrotar. Ia muita gente ao futebol nessa altura. Ainda me lembro da equipa inicial do Benfica nesse jogo: Bento; Pietra, Oliveira, Samuel e Álvaro; Nunes, Carlos Manuel e Diamantino; Wando, Manniche e Nené. Lembro-me bem porque na altura fiquei surpreendido. O treinador Pal Csernai não poupou ninguém e utilizou a equipa mais forte. O Bento e o Nené tinham sido meus colegas de equipa e disseram-me que não iam facilitar nadinha, porque lhes tinham dito que tínhamos boa equipa. Foi pena termos sofrido os golos muito cedo.
Aos 30 minutos estava 3-0 para o Benfica. E ficou assim até ao fim.
Nós fazíamos muito golos e na segunda parte ameaçámos o Benfica. Alguns jogadores meus tiveram dificuldades na adaptação ao relvado, porque jogávamos quase sempre em campos pelados. Alguns nunca tinham jogado com pitons de alumínio. Isso explica o resultado ao intervalo, mas a segunda parte do Paredes foi muito boa. Lembro-me de ter falado com o meu grande amigo Carlos Manuel no final e dele se meter comigo: ‘Ouve lá, tu não jogaste hoje porquê? Tens aqui uma grande equipa, Vítor’.
Portanto, o Vítor acabou por não entrar no jogo.
Não entrei, não. Decidi mostrar os miúdos ao país. Tínhamos o Rui Meireles, um menino com uma qualidade excecional. Jogava muito. Tenho uma imagem muito nítida desse jogo.
No Paredes eram todos amadores?
A nossa equipa era semi-profissional. O guarda-redes Paquete tinha jogado no Leça, o Magalhães também era, o Carvalhinho e o Hermínio também eram. O Rui Meireles era estudante, o Carlitos trabalhava, o José Filipe era formado em engenharia, tínhamos o brasileiro Dilson que passara pelo Sporting anos antes. Era uma equipa semi-profissional. Lembro-me bem do plantel porque foi a primeira equipa que treinei. Tínhamos qualidade. Entrámos mal no jogo, o Benfica aproveitou, mas ainda mostrámos a nossa qualidade. E o mais importante era subir de divisão.
É verdade que nos EUA chegou a jogar contra o Pelé?
É, essa é a minha coroa de glória. Já lhe envio uma foto minha ao lado do Rei. Tive o gosto de jogar com muitos craques. Bento, Eusébio, Jordão, Shéu, Vítor Batista, Toni, Moinhos, Artur Jorge, Simões, Humberto Coelho, Artur, Bastos Lopes, Diamantino, Nené. Estive em 72/73 na equipa que foi campeã nacional sem derrotas, mas só joguei nas outras provas. Em 74/75 é que joguei com regularidade e fui campeão. No Oriental, em 73/74, fui o quarto melhor marcador do campeonato.
O único golo do Vítor pelo Benfica foi marcado ao Sporting. Que pontaria.
Na equipa principal foi, sim senhor. Fiz trio de ataque com o Nené e o Vítor Batista nessa tarde. Dois homens radicalmente diferentes, antagónicos. O Vítor, coitado, não foi bem acompanhado e meteu-se em trabalhos. Deu cabo da vida dele, mas era um rapaz impecável, tinha um feitio especial. O meu grande amigo Nené, que faz 71 anos e a quem dou os parabéns, era o meu colega de quarto e meu companheiro de pesca. Nos intervalos do futebol íamos bastantes vezes à pesca. Boa gente, boa gente.
Nesse Paredes-Benfica de 85, o Vítor deve ter sido a figura da tarde. Todos o conheciam no Benfica.
Bem, a tarde foi de festa em Penafiel. E, sim, toda a malta do Benfica quis falar comigo e matar saudades. O Bento disse-me que não lhe podíamos fazer golos (risos), as brincadeiras do costume. Foi um jogo muito especial para mim. O resultado não foi assim muito desnivelado e na segunda parte chegámos muitas vezes à baliza do Bento. Eu estive quase para me meter em campo, porque contra o Benfica ‘molhava sempre o bico’. Se estivesse 1-0 ou 2-0, tinha entrado para resolver as coisas.
VÍDEO: o resumo do Paredes-Benfica de 1985 (imagens RTP)