"Fez-se história": um quilograma deixou de ser um quilo - TVI

"Fez-se história": um quilograma deixou de ser um quilo

  • MC/AR
  • 16 nov 2018, 20:51
Le Grand K - o protótipo internacional do quilograma

Comité Internacional de Pesos e Medidas aprova novo sistema métrico universal do quilograma, que agora deixa de ser definido por uma unidade física

O Comité Internacional de Pesos e Medidas aprovou, esta sexta-feira, uma nova forma de calcular o quilograma e outras três unidades de medida. Durante a 26ª Conferência Geral da Pesos e Medidas, que está a decorrer em Versalhes, França, representantes dos 60 estados membros, de que Portugal faz parte, decidiram por unanimidade o que já estava anunciado: a redefinição da unidade científica de quilograma.

A mudança acontece depois de a unidade de peso ter revelado um desvio de 50 microgramas no padrão estabelecido internacionalmente há 129 anos, quando o rei Luís XVI de França incumbiu um grupo de cientistas de desenvolver um sistema universal de medidas.

A partir de 2019, a referência para o quilograma (seja ele de laranjas, de algodão ou de chumbo, como no quebra-cabeças para crianças) passa a ser derivado de uma constante da natureza a partir de fórmulas da Física Quântica, e não já de um referencial concreto, como até agora. O quilograma passará a ser calculado com uma fórmula conhecida como a Constante de Planck, avançada em 1900 pelo físico teórico alemão Max Planck, prémio Nobel da Física em 1918. Usando essa fórmula será universalmente possível determinar o quilograma, usando por exemplo uma balança de Kibble, um instrumento de alta precisão que funciona com corrente e tensão elétrica.

Está-se a fazer história, isto será contado nos livros de texto", disse José Manuel Bernabé, o delegado de Espanha na conferência, citado no El País, depois da votação em Versalhes.

Pode ser difícil de acreditar, mas era um cilindro com 130 anos, guardado numa cave em França, que definia o que é "um quilograma". Em 1889, surgiu a necessidade de concretizar fisicamente esta medida, num formato mais simples de reproduzir. Foi assim que nasceu o Le Grand K (Grande Quilo), um cilindro com uma altura e um diâmetro de 39 milímetros construído 90% em platina e 10% em irídio, que representava a unidade. Só que, mesmo conservado num cofre especial e em condições de ambiente protegido, este quilo-padrão, acabou por ganhar peso, ou seja massa, ao longo dos anos, por acumulação de partículas que absorveu da atmosfera. São apenas 50 microgramas (milionésimos de grama) que não têm qualquer impacto na vida do dia a dia, mas para medições rigorosas, como as que são exigidas para fazer estudos científicos, nomeadamente em física, já não serve.

Com a passagem do tempo, também as 40 réplicas do Grande Quilo, espalhadas pelo mundo para calibrar todas as balanças, se desviaram do protótipo original guardado em Paris, existindo até variações entre as diferentes réplicas: são na verdade todas mais leves do que o quilograma original, incluindo a que existe em Portugal, no Instituto Português da Qualidade.

Não é um problema quando se mede açúcar para uma receita, mas é algo que já se torna inaceitável para a ciência mais avançada, quando se quer medir doses de medicamentos, por exemplo”, pode ler-se num comunicado do Laboratório Britânico de Física.

Agora, o quilo passará a ser uma medida universal desprovida de uma unidade física que a defina. O valor continuará a ser o mesmo, mas é calculado a partir da Constante de Planck. Trata-se de uma constante de física que é universal e independente do tempo e do espaço. Ou seja, onde quer que as experiências sejam feitas, em qualquer ponto do planeta, o valor obtido vai ser exatamente o mesmo. Esta mudança, que entrará em vigor a partir de abril de 2019, não afetará a utilização quotidiana da medida, apenas a abordagem científica.

Na realidade não importa quanto pesa um quilo se todos trabalharmos com a mesma norma. O problema é existirem pequenas diferenças em todo o mundo. O protótipo internacional do quilograma e as suas 40 réplicas estão a crescer a um ritmo diferente, afastando-se do original", explica Peter Cumpson, professor de Sistemas Microeletromecânicos, citado pelo ABC.

A resolução, que foi aprovada esta sexta-feira, sublinha exatamente a "necessidade essencial de um Sistema Internacional de Medidas uniformizado e acessível a todo o mundo para o comércio internacional, alta tecnologia, saúde e segurança humanas, proteção do ambiente, estudos sobre o clima global e a ciência fundamental que está na base de tudo".

A redefinição do quilograma é um avanço tremendo para a comunidade internacional de medição e para a ciência”, afirma Ian Robinson, investigador do Laboratório Britânico de Física. 

Caso se esteja a questionar sobre o impacto que a mudança terá no quotidiano, na prática, não será nenhum.  Muda a abordagem científica, mas nas contas do dia a dia, nada muda. Um quilo de laranjas, de algodão ou de chumbo será sempre um quilo de laranjas, de algodão ou de chumbo.

Constantes físicas também na medição de outras três unidades

O Comité Internacional de Pesos e Medidas reviu também o Ampere (A), que mede a corrente elétrica, o Kelvin (K), usado para a temperatura, e o "mol", usado na medida de substâncias. Estas três unidades de medida passam a ser determinados com recursos a constantes.

Tal como no que diz respeito ao quilograma, o cidadão comum não sentirá mudanças no dia a dia. Já no que concerne a tecnologia, a saúde ou o ambiente, a alteração será crucial, numa era em que a nanotecnologia e as nanociências necessitam de medições o mais exatas possíveis.

 

 

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