Epidemia de bactéria que come tecido é mistério na Austrália - TVI

Epidemia de bactéria que come tecido é mistério na Austrália

Paciente com infeção em estado inicial provocada por bactéria que come carne

Médicos não sabem como prevenir a doença, conhecida como úlcera de Buruli, que assola a população do Estado de Victoria e que, em alguns casos, obriga a uma cirurgia reconstrutiva ou até à amputação

Médicos na Austrália pedem uma investigação urgente às causas de uma doença que destrói os tecidos e que se está a espalhar rapidamente no Estado de Victoria, assumindo um carácter endémico.

Os casos locais de úlcera de Buruli, uma doença mais comum em África e que era considerada rara na Austrália, aumentaram 400% nos últimos quatro anos no país, dizem especialistas. As infeções também se tornaram mais graves e espalharam-se rapidamente para novas áreas, o que levou a que se pedisse uma investigação urgente sobre a forma como a doença é contraída e se propaga.

Os médicos não sabem como prevenir a doença, causada por uma bactéria que come carne e degrada os tecidos.

O primeiro sinal de infeção começa por surgir através de um caroço indolor na pele, que pode ser confundido com uma picada de inseto e desenvolve-se lentamente até que se transforma numa camada de gordura localizada entre a pele e o revestimento que cobre os músculos. A doença espalha-se depois para o resto do corpo, destruindo tecido antes de irromper de novo através da pele na forma de uma úlcera. Alguns dos infetados só se apercebem que sofrem da doença quando a úlcera aparece, altura em que os pacientes dizem sentir dores muito fortes.

As úlceras são difíceis de tratar e os pacientes muitas vezes passam por um período de recuperação entre seis e 12 meses. Muitas pessoas também precisam de se submeter a cirurgia reconstrutiva ou até mesmo a amputação.

Num artigo publicado no Medical Journal of Australia, esta segunda-feira, vários autores, liderados pelo investigador Daniel O'Brien, da Barwon Health, afirma que os registos de úlcera de Buruli estão a aumentar apenas na área de Victoria, uma vez que não foram detetados casos em Nova Gales do Sul, Austrália do Sul ou na Tasmânia.

O Estado de Victoria registou um recorde de 275 novas infeções o ano passado, o que representa um aumento de 51% em relação a 2016.

Apesar de ser reconhecida em Victoria desde 1948, os esforços para controlar a doença foram severamente prejudicados porque o reservatório ambiental e o modo de transmissão para os seres humanos permanecem desconhecidos", revelou Daniel O'Brien. 

Citado pelo jornal britânico The Guardian, o médico especialista em doenças infeciosas disse ainda ser "difícil prevenir uma doença quando não se sabe como a infeção é contraída ".

À estação de televisão britânica BBC, Daniel O'Brien reiterou que os casos de úlcera de Buruli se tornaram "assustadoramente mais comuns e mais severos" na região de Victoria.

Ninguém entende o que está a acontecer e o que está a provocar esta epidemia", disse ainda O’Brien à BBC. "Podemos dar pistas, mas não pareceres definitivos. É um mistério."

O que está a confundir os investigadores, acrescentou, é o facto de a doença surgir mais frequentemente em zonas de terrenos pantanosos e em países tropicais, sendo mais comum em África. Em Victoria, os casos que surgem têm apresentado maior gravidade.

O médico explicou que algumas teorias envolvem fatores como chuva, tipo de solo e vida selvagem. No ano passado, as autoridades encontraram vestígios das bactérias em fezes de gambá.

O problema é que não há tempo para nos sentarmos e refletir sobre isso: a epidemia atingiu proporções assustadoras”, sublinhou O’Brien.

Paul Johnson, um investigador que estuda a doença desde 1993, também acredita que é mais provável que a bactéria que causa a úlcera, a Mycobacterium ulcerans, esteja a ser propagada através de mosquitos e gambás. A equipa de Johnson identificou um grande número de mosquitos nas áreas afetadas e descobriu que alguns carregavam a bactéria, que foi igualmente encontrada nas fezes dos marsupiais.

O cientista acredita que a doença pode estar relacionada com os animais que ficam infetados e contaminam o ambiente através da fezes, e também os mosquitos, e as pessoas estarão a ser infetadas através das picadas de insetos e "talvez diretamente [pelos] gambás". No entanto, podem existir outras formas de transmissão da doença.

As autoridades de saúde de Victoria dizem que gastaram 550 mil libras (637 mil euros) em pesquisas sobre a doença e lançaram campanhas de sensibilização sobre o tema. As pessoas que vivem nas áreas afetadas são aconselhadas a evitar picadas de mosquitos, a limpar e a cobrir quaisquer cortes sofridos ao ar livre, e a consultarem o médico em caso de dúvidas.

Os autores do artigo publicado no Medical Journal of Australia pedem um financiamento urgente do Governo para investigarem a bactéria e realizarem exames exaustivos aos ambientes onde a doença foi detetada e que incluem a observação dos animais locais e a interação destes com os seres humanos.

A hora de agir é agora", alertam os cientistas.

A úlcera que "come" tecidos é uma doença mais comum na zona rural da África Ocidental, África Central, Nova Guiné, América Latina e regiões tropicais da Ásia.

Nessas regiões do globo, a doença está associada a zonas húmidas e água estagnada, mas na Austrália os casos foram amplamente reportados em regiões costeiras.

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