De falsas doenças a esconderijos em igrejas: ucranianos fizeram de tudo para salvar as suas crianças da deportação - TVI

De falsas doenças a esconderijos em igrejas: ucranianos fizeram de tudo para salvar as suas crianças da deportação

Crianças refugiadas da Ucrânia (AP)

Apesar dos esforços ucranianos, milhares de crianças foram sequestradas de escolas e orfanatos na região de Kherson durante a ocupação russa

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Vários hospitais pediátricos e instituições sociais da Ucrânia planearam secretamente formas de evitar que crianças órfãs fossem sequestradas e deportadas para a Rússia - uma suspeita para a qual os ucranianos têm vindo a alertar desde o início da guerra.

Nas primeiras horas após a invasão russa da Ucrânia, uma equipa de um hospital pediátrico localizado na cidade de Kherson teve a preocupação imediata de garantir que as crianças órfãs sob os seus cuidados não caíssem nas mãos dos russos. Como tal, resolveram criar um plano que passou por escrever falsos registos médicos para dar a entender que as crianças estavam demasiado debilitadas para serem deslocadas.

“Escrevemos deliberadamente informações falsas de que as crianças estavam doentes e não podiam ser transportadas”, confidenciou a médica Olga Pilyarska, chefe dos cuidados intensivos daquele hospital. “Estávamos com medo de que [os russos] descobrissem, mas decidimos que salvaríamos as crianças a qualquer custo", acrescentou, citada pela agência de notícias Associated Press (AP).

Desde o início da guerra, os russos têm vindo a ser acusados de deportar crianças ucranianas para a Rússia ou para territórios controlados pelos russos para criá-los como se fossem seus. De acordo com a AP, pelo menos 1.000 crianças foram sequestradas de escolas e orfanatos na região de Kherson durante estes nove meses de ocupação russa. E se não fossem alguns membros da comunidade que arriscaram as suas vidas para esconder o máximo de crianças possível, o número seria ainda maior, garantem os habitantes daquela região.

No total, a equipa daquele hospital pediátrico falsificou registos médicos de 11 crianças órfãs de modo a evitar a sua entrega a um orfanato, a partir do qual seriam deportadas. Um desses bebés foi falsamente diagnosticado com "sangramento pulmonar", outro com "convulsões incontroláveis" e outro precisou de "ventilação artificial", enumera Olga Pilyarska.

Em Stepanivka, uma aldeia nos arredores de Kherson, Volodymyr Sahaidak, o diretor de um centro social daquela região, também falsificou documentos para esconder 52 crianças órfãs e vulneráveis. O responsável, de 61 anos, deixou algumas das crianças aos cuidados dos seus funcionários, outras foram entregues a familiares distantes e algumas das mais velhas ficaram com ele.

Mas nem todas as crianças tiveram a mesma sorte. Em outubro, cerca de 50 crianças que estavam num orfanato em Kherson (para onde teriam sido enviados os 11 bebés salvos pelo hospital) foram enviadas para a Crimeia, adiantou um segurança daquela instituição e várias testemunhas locais à AP. Anastasiia Kovalenko, que mora nas proximidades do orfanato, recorda que "um autocarro com a inscrição Z [um símbolo que identifica veículos russos] chegou e levou as crianças".

Ainda de acordo com os testemunhos, logo no início da invasão, um grupo de pessoas ainda tentou esconder as crianças numa igreja, mas os russos encontraram-nas vários meses depois, devolveram-nas ao orfanato e depois levaram-nas.

No início do ano, a Associated Press noticiou que a Rússia estava a tentar enviar milhares de crianças ucranianas a famílias para acolhimento ou adoção  da Rússia ou territórios controlados pela Rússia sem consentimento, mentindo às crianças dizendo-lhes que não eram desejadas pelos seus pais.

O Instituto para o Estudo da Guerra, um think tank com sede em Washington, considera que as autoridades de Moscovo estão a conduzir uma campanha deliberada de despovoamento em cidades ucranianas ocupadas, deportando crianças sob o pretexto de um esquema de reabilitação médica e programas de adoção.

Mas o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo rejeita as acusações e argumenta que o transporte de crianças para a Rússia visa somente a sua proteção das hostilidades.

Maria Lvova-Belova, responsável pelos direitos das crianças na Rússia, tem vindo a supervisionar a transferência de centenas de órfãos de regiões ucranianas ocupadas para famílias adotivas russas. De acordo com a responsável, algumas das crianças tiveram já oportunidade de regressar à Ucrânia, mas recusaram-se a fazê-lo.

As forças armadas e as autoridades locais e nacionais da Ucrânia estão a procurar as crianças que foram levadas, mas ainda não sabem o seu paradeiro. "Não sabemos o destino destas crianças. Não sabemos onde estão as crianças de orfanatos ou de instituições sociais, e isso é um problema", admite Galina Lugova, chefe da administração militar de Kherson.

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