«A Scarlett Johansson achou que o prof. Hernâni era ator de Hollywood» - TVI

«A Scarlett Johansson achou que o prof. Hernâni era ator de Hollywood»

Álvaro Costa

Álvaro Costa é o convidado especial para «Um café com...» o Maisfutebol. O radialista da cultura pop, o génio da comunicação mainstream, a enciclopédia viva de música, cinema e, claro, futebol. Uma conversa com sangue, suor, lágrimas e «muita maradice» pelo seu dragão - Parte II

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«Um café com...» senta o Maisfutebol à mesa com figuras eminentes da nossa sociedade, nomes sem ligação aparente ao desporto, a não ser a paixão. A música, a literatura ou o cinema enredados nas quatro linhas de conversas livres e descontraídas. Críticas e sugestões para pcunha@mediacapital.pt ou bmmr.externo@medcap.pt 

Mestre das palavras, senhor de memória enciclopédica e conhecimento de devoção religiosa. Música, cinema, futebol, a santíssima trindade de Álvaro Costa, 59.9 anos, comunicador inigualável. 

É no seu office do prazer, A Bolacheira, que recebe o Maisfutebol para «Um café com...», ali na zona da Foz do Douro. Num país normal, onde a cultura fosse tratada com a dignidade que exige, Álvaro Costa seria o comendador e o mestre de cerimónias da inteligência nacional. 

À falta desse estatuto, o portuense adotado pela atlântica Vila do Conde dribla o formalismo e mergulha nas recordações da bola, com um olhar único sobre a afirmação europeia do seu querido FC Porto.

Uma personagem obrigatória, um estudioso que dispensa o motor de busca da Google quando o exercício é a procura de arquivos com jogos de futebol.  


PARTE I: «O FC Porto ganhou na Escócia e invadi a pista do aeroporto»

Maisfutebol – Tem saudades de fazer a Liga dos Últimos?  

Álvaro Costa – Acima de tudo gostei muito de fazê-la. E não teria sido possível fazê-la sem o meu Pai Bitaites, o professor Hernâni Gonçalves. Podia ter sido outro apresentador que não eu, mas o meu Pai Bitaites era incontornável. Conheci-o muitos anos antes. Eu frequentava o Estádio das Antas e conheci-o no tempo do António Oliveira, em 1996, quando o professor era preparador-físico do FC Porto. Foi um senhor com uma carreira riquíssima e até podia ter sido campeão no Boavista. Há um jogo no Bessa contra o União de Tomar, com o relvado estilo batatal, e há uma bola que pára em cima da linha de golo. Se tem entrado, o Boavista vencia e ficava perto do título, porque só precisaria depois de empatar contra o Benfica. Assim teve de vencer. E perdeu. Mané, Francisco Mário, João Alves, Álvaro Carolino.

MF – Como era o professor Hernâni Gonçalves?

AC - O professor era uma mistura entre uma star de Hollywood, um transmontano esperto e um intelectual de grande dimensão. A última história que ele me contou é deliciosa. Ele estava a passar férias na Sardenha e uma atriz viu-o numa esplanada e perguntou a quem lá estava quem era aquele senhor com ar de ator clássico. Achou que ele era um ator de Hollywood. O professor não sabia o nome da menina, mas descreveu-a numa conversa nossa e lá cheguei à conclusão, confirmada depois com fotografias.

MF – E quem era a atriz de Hollywood?

AC - Era só a Scarlett Johansson. Ah ah ah ah ah. Estava de férias na Europa e ficou enfeitiçada pelo professor. Tive oito anos fantásticos com ele no programa. A Liga tinha três fatores maravilhosos: era uma volta a Portugal sem bicicleta; era a exaltação dos valores populares e de excentricidade popular; era uma forma de nos rirmos COM as pessoas e não DAS pessoas. Nunca gozámos com ninguém, aquilo era um GPS do Portugal com o futebol como ponto de partida. Era a visita ao pelado, no sentido cultural do pelado. Eu e o professor eramos o Jorge Costa e o Aloísio. Ele contava histórias geniais.

Álvaro ao lado do 'Pai Bitaites'

MF – Lembra-se de mais alguma do professor?

AC – De muitas. Certo dia contou-me esta. O Rabah Madjer não podia comer fiambre de porco, por ser muçulmano, mas o Octávio Machado não sabia e deu-lhe uma sandes de fiambre. Quando o Madjer soube… o baixinho teve de fugir, ah ah ah. E no Euro 96 conseguiu meter o Espanhol, aquele adepto do Sp. Braga que tocava bombo, num clube de golfe exclusivo de lordes. É só imaginar os aristocratas a beber chá e a ouvir o Espanhol a tocar bombo. Ivo Costa, João Nuno Coelho, Ricardo Amorim, Sérgio Sousa, uma grande equipa. A Liga dos Campeões aumentou a minha dimensão popular, fez-me bem. 

MF – Quando se mudou para Londres em 1988, o futebol acompanhou-o?

AC – Nessa altura não era muito seguro ir ao futebol em Inglaterra. A tragédia de Heysel Park ainda estava muito fresca e em 89 aconteceu o desastre de Hillsborough. Não havia jornais desportivos, nem há. Lembro-me de esperar dois dias pela chegada do jornal A Bola.

MF – Como é que acompanhava os resultados do FC Porto?

AC – Quando o FC Porto ganhou em Milão, ainda em 1979, eu estava a viajar da Suíça para França. Cheguei à gare de Paris e a primeira coisa que fiz foi comprar o L’Èquipe. Era assim, desenrascava-me. E lembro-me de uma derrota em casa do AEK por 6-1. Perdi a ligação no rádio e quando voltei a apanhar o resultado já estava 5-1. A malta de hoje não faz ideia das maluqueiras que se fazia por futebol. Em Los Angeles, onde também vivi, só arranjava A Bola a uma hora de casa.

MF – Viveu em Inglaterra num período sensível para o futebol.

AC – Assisti à queda do hooliganismo. As autoridades começaram a identificar os bandidos e na hora dos jogos tinham de estar nas esquadras. E se algum deles faltasse estava bem lixado. Esses gajos foram banidos dos estádios, ainda hoje só vêm futebol nos pubs. Claro que fora de Inglaterra é mais complicado controlá-los. Há quantos anos não há problemas em Inglaterra? As autoridades portuguesas deviam olhar para o bom exemplo inglês. Eles varreram os bandidos e tornaram a Premier League numa competição sexy. Os tipos lá amam o jogo e depois amam o seu clube. Em Portugal amamos as tricas, depois o clube e só depois o jogo.

MF – E nos EUA como fazia essa ligação ao futebol?

AC – Isso já foi nos anos 90. O soccer era, e ainda é em certa medida, considerado um desporto feminino. Na altura era ótimo para as soccer moms, para a malta se encontrar e namorar. Em LA havia o doggy park, perto do sinal de Hollywood. Juntavam-se centenas de cães e as pessoas relacionavam-se também. Em Portugal ainda podemos parar na rua e falar, lá não era assim. Paravas e levavas um tiro. O futebol, ou soccer, permitia a socialização. A UCLA tinha para aí dez relvados, condições incríveis. Mas há uma concorrência forte das outras modalidades, muito forte.

MF – Basquetebol, futebol americano, basebol, hóquei no gelo.

AC – Os americanos são uns vendedores incríveis, vendem areia no deserto. Lakers significa lagos e em Los Angeles não há lagos. A equipa chama-se assim porque o franchising nasceu em Minneapolis e foi comprado por LA. Apesar de ser uma sociedade violenta, no desporto é muito raro haver problemas. Porquê? Porque na Europa o futebol é o último bastião da identidade cultural e nos EUA isso não existe. O Inter-Milan, o Roma-Nápoles, Ajax-Feyenoord, Benfica-FC Porto, Liverpool-Manchester United, tudo isso é exacerbado pela identidade cultural de cada cidade, cada bairro. Eu vi jogar o Joe Montana, o Wayne Gretzky, mas a rivalidade entre as cidades no desporto não existe. Eles querem é divertir-se, comer uns cachorros, ver umas gajas, have some fun. Eles não entendem o mundo do soccer.

MF – O futebol seria diferente se os norte-americanos mandassem no jogo.

AC – Ui, se eles mandassem no International Board, esse misterioso conclave, esse Vaticano, mudavam logo algumas regras. Os lançamentos laterais passavam a ser feitos com o pé. Rapidamente a bola chegava à área. Depois, diminuíam o tempo de jogo, mas jogavam-no todo. Três partes de 25 minutos. Mais: alteravam a lei do fora-de-jogo, seguramente. O soccer é um jogo de xadrez, de estratégia; o futebol americano é um jogo de espaços, de conquistas de terreno, de guerreiros. Para os americanos não é simples perceber o nosso futebol, a beleza. Eu, curiosamente, a modalidade que mais gosto deles é o hóquei no gelo. A NBA, claro, tem encanto, mas adoro hóquei no gelo.

MF - …

AC – Um dia fui fazer os MTV Awards em Berlim. Apareceu-me o vocalista dos Poison, a Pamela Anderson e o Alexi Lalas. Os três. Isto foi em 1995, logo a seguir ao Mundial. Qual foi, dos três, o que mais entusiasmado me deixou?

Álvaro Costa com Deco e Rui Costa

MF – A Pamela Anderson?

AC – Ah ah ah, o Alexi Lalas. Eu vivi em Santa Mónica, na Rua 11, com vista para a Pacific Coast Highway. A série Marés Vivas era uma produção paupérrima, a que tinha a Pamela. Ainda tentei entrar como figurante. Era muito pobre e eu via nas filmagens a Pamela todos os dias. O gajo dos Poison quase a mesma coisa. Por isso, Alexi Lalas, claro, centralão da seleção dos EUA em 1994. Mais uma história.

MF – Vamos a isso.

AC – Estava eu em Londres no Brown’s, o clube privado do George Michael. Eu não sou fascinado por nada porque as pessoas são só pessoas, famosas ou anónimas. Vi lá a Lisa Stansfield, Stevie Wonder, Eurythmics, Prince, passavam-me ao lado. Para mim era tudo igual. Mas houve um dia em que estava lá e fiquei excitadíssimo.

MF – Porquê?

AC - Vi lá dois gajos meio perdidos. Um deles era o Tony Meola e o outro era o John Harkes, ah ah ah. Guarda-redes e craque da seleção dos EUA no Itália-90. Os tipos estavam a jogar em Inglaterra e caíram lá. Por isso, quando me perguntam se me excita mais o mundo da música ou da bola… pá, acho que o da bola. Talvez por estar menos habituado a ver esses gajos. E há mais uma parecida.

MF – Onde se passa essa?

AC – Miami, durante o Euro 2004. Estava à procura de um restaurante para ver o Portugal-Espanha com uma amiga minha e fomos a um italiano que tinha parabólica. De repente aparece um SUV e quem aparece? Dois gajos com ar de rappers. Ainda pensei que fosse o Snoop Dogg ou o 50 Cent. Começo a olhar e vejo que os conheço. Riam-se do Cristiano Ronaldo, mandavam bocas. Rio Ferdinand e Wes Brown, os centrais do United a contarem histórias do menino Cristiano num restaurante italiano em Miami, ah ah ah. Por falar em centrais, lembrei-me de uma boa com o Taribo West.  

MF – O central nigeriano que tinha totós coloridos.

AC – Figura, ah ah ah. Estava à espera do elevador, em Londres, e quem sai? Taribo West. Fiquei a falar com ele, o gajo estava na altura a jogar no Partizan. O fim da picada, grande cromo, uma simpatia.

MF – Para acabarmos a nossa conversa. Umas histórias boas dos outros mundos AC.

AC – Olha, eu estava no Viper Room, aquele bar de LA, na noite em que morreu o River Phoenix. O miúdo teve uma overdose, o irmão do Joaquin Phoenix. Eu até conheci a família dele. O River experimentou uma speedball, que era uma mistura de cocaína e heroína e estava em voga naquela altura. Correu mal. Foi numa semana de calor violentíssimo. Por acaso estive na reinauguração do Viper Room e contei a história daquilo ao Johnny Depp, um dos sócios E também vi o Kurt Cobain ao vivo com os Nirvana. Vi-o num concerto com os Nirvana e depois no Club Lingerie, um bar pequeno.

MF – Como foi isso?

AC – Era um concerto de solidariedade. Nesses concertos temos de estar atentos porque aparecem estrelas que não são anunciadas no programa das festas. No programa fala de um duo chamado ‘Yoko and Lennon’. Quem eram? O Kurt e a Courtney Love. Aliás, eu fartava-me de ver a Courtney, andava sempre acesa. Os meus três anos em LA, enfim, davam para cinco filmes. Quando vemos os maiores ficamos mais simples. O Michael Jackson comprava brinquedos à tia da minha namorada americana. Ela tinha uma loja de brinquedos e fechava-a para o Michael lá ir. Na Ventura Boulevard.

MF – Quais são as suas bandas favoritas?

AC – The Doors, Led Zeppelin, Jimmy Hendrix, Beatles, Rolling Stones. Tenho mais de 30 mil discos em casa, mas uma parte grande é só trabalho. Podemos acabar com futebol?
 
MF – Claro, vamos a isso.


AC – Não há metodologia, ciência ou estudo que explique a bola que bate no poste e não entra ou que bate no poste e entra. Uma história para o fim: eu estava em Madrid no dia do Manchester United-FC Porto, 1-1, golo do Costinha, dia 9 de março de 2004. Fui entrevistar um gajo que trabalhava com o Ricky Martin, um tipo chamado Robi Draco Rosa. A dada altura recebo uma mensagem do meu ‘pai’, o Luís Oliveira, camarada da Antena 3. Dizia ‘estamos a perder 1-0’. Na altura em que está a acabar o showcase do tal Robi, fiquei sem acesso ao telemóvel. Pensei ‘já fomos’, claro. No fim fomos a uma zona VIP, para fazer a entrevista, e estava quase a chegar a minha vez. Havia vários jornalistas. Ouço um ‘ping’ no telemóvel e senti que alguma coisa tinha acontecido em Manchester. Olho para a mensagem e leio ‘golo do Costinha’. Comecei aos gritos, aos pontapés e esqueci-me onde estava. Completamente. Tive de pedir desculpa a toda a gente. O futebol para mim é isto. É a felicidade inconfessável, a felicidade sem tempo nem lugar.  

PARTE I: leia AQUI

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