Cientistas portugueses descobrem que doença de Parkinson pode ter origem no intestino - TVI

Cientistas portugueses descobrem que doença de Parkinson pode ter origem no intestino

  • Agência Lusa
  • CM
  • 30 nov 2021, 14:16
TAC - PAULO NOVAIS/LUSA

Estudo realizado por investigadores da Universidade de Coimbra indica que a segunda doença neurodegenerativa mais frequente no mundo pode ter surgido no intestino muitos anos antes

A doença de Parkinson pode ter origem no intestino e daí progredir para o cérebro, revela um estudo realizado por cientistas da Universidade de Coimbra (UC).

Em comunicado divulgado nesta terça-feira, a UC lembrou que o diagnóstico clínico de Parkinson, a segunda doença neurodegenerativa mais frequente no mundo, só ocorre quando surgem os primeiros sintomas motores (tremores, rigidez muscular e movimentos lentos) e que o estudo agora divulgado “indica que a doença pode, em alguns casos, ter surgido no intestino muitos anos antes”.

Citados na nota, Sandra Morais Cardoso, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), e Nuno Empadinhas, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC-UC), explicaram que decidiram testar esta hipótese, dado que “muitos doentes apresentam sintomas intestinais vários anos antes do diagnóstico clínico e também porque parece existir uma associação direta entre tóxicos ambientais e o aparecimento desta doença descrita há cerca de 200 anos, mas cuja origem é ainda desconhecida”.

Acrescentaram que os resultados do estudo “não representam uma cura, mas reforçam a possibilidade de haver casos de Parkinson que surgem primeiro no intestino”.

“Por outro lado, confirmam que um metabolito produzido por certas bactérias pode, inadvertidamente, desencadear processos neurodegenerativos específicos desta doença”, acrescentou a nota.

A equipa científica “estudou, em ratinhos, os efeitos da ingestão crónica de BMAA, uma toxina produzida por cianobactérias e outros micróbios, e que se pode acumular, por exemplo, em alguns animais aquáticos como bivalves, mariscos e peixes”, adiantou o comunicado da UC.

Ingestão crónica de toxina

A Universidade de Coimbra sublinhou que os investigadores partiram de “estudos anteriores, que apontam para a existência de vários tipos de doença de Parkinson”, para demonstrarem, “pela primeira vez, que a ingestão crónica desta toxina microbiana ambiental elimina grupos muito específicos de bactérias que protegem a mucosa intestinal e que regulam a imunidade ao nível dessa barreira essencial”.

“A partir daqui, inicia-se uma cadeia de eventos que se propaga até uma região específica do cérebro [associada à doença de Parkinson], danificando sobretudo as mitocôndrias, organelos que, entre outras funções, atuam como fábricas de energia das células”, sustentam os investigadores no comunicado.

“Caracterizámos os efeitos desta toxina, desde a erosão seletiva do microbioma intestinal à alteração da imunidade no íleo (região específica do intestino), até à degeneração específica dos neurónios que produzem dopamina no cérebro. Curiosamente, a alteração da barreira e imunidade intestinal levou a que o marcador cerebral clássico da doença surgisse primeiro no intestino”, explicou Sandra Morais Cardoso.

A cientista clarificou que “a propagação é lenta e progressiva e pode ocorrer através do sangue ou do nervo vago (que liga o intestino ao cérebro), até chegar à região do cérebro associada à doença de Parkinson, onde afeta as mitocôndrias desses neurónios, que acabam por morrer”.

Por outro lado, segundo Nuno Empadinhas, o estudo “alerta para um potencial perigo de ingestão crónica de BMAA em dietas ricas em alimentos de origem aquática, nos quais os níveis da toxina são desconhecidos”.

“Em prol da segurança alimentar e saúde pública, esta toxina específica, que muito raramente produz sintomas de intoxicação aguda, deve ser incluída em programas de monitorização, pois confirma-se que, quando consumida de forma crónica, pode danificar o microbioma e barreira intestinais, desencadeando doença”, argumentou o investigador.

O estudo decorreu durante os últimos cinco anos no Centro de Neurociências e Biologia Celular e foi financiado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia em mais de 500 mil euros.

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