Estoril Open: o CEO voluntário, um homem a renascer e outros sonhos - TVI

Estoril Open: o CEO voluntário, um homem a renascer e outros sonhos

Voluntários Estoril Open

As histórias dos voluntários que fazem o Estoril Open acontecer

[artigo originalmente publicado às 23h50, 01-05-2019]

Que sonho! João mal consegue descrever a sorte que sente ter tido. Ele que mal se lembra da sua vida sem ténis, tem a possibilidade de estar ali mesmo ao lado de algumas das maiores estrelas da modalidade que começou a praticar com três anos.

Isso mesmo, três anos, quando começou a pegar na raquete e a dar uso ao court da casa dos avós, para onde escapa sempre que tem oportunidade.

E agora está ali no campo, fardado como tantas vezes viu em jogos na televisão. Ofereceu-se como voluntário e teve a felicidade de ser selecionado. Foi transportado para dentro do jogo que ama e sente-se importante pela responsabilidade que lhe foi confiada.

E que privilégio sente João por ser apanha-bolas. No Estoril Open. Dá para imaginar? É um miúdo de 15 a viver por dentro a modalidade pela qual é apaixonado.

Alguns anos volvidos, João terá outras funções no mais importante torneio de ténis português. Será juiz de linha, tradutor e até, pasme-se, irá participar duas vezes no torneio, ainda que nunca passando do qualifying.

Mas é aquela edição de 1990 que lhe devolve o sorriso de criança: «guardo memórias muito especiais daquele tempo», garante João ao Maisfutebol, enquanto vai espreitando a estreia de João Sousa, detentor do título de 2018, no primeiro dia do quadro principal do torneio.

O torneio cuja organização tem como rosto principal o João. Sim, quase nos esquecíamos: o miúdo que se voluntariou e acabou como apanha-bolas na primeira edição de sempre do Estoril Open, é João Zilhão. Esse mesmo, o diretor do Estoril Open desde 2015, quando o torneio se mudou para o Clube de Ténis do Estoril.

Haveria alguém melhor do que um apanha-bolas-que-se-fez-diretor para nos explicar a importância dos voluntários?

Também achamos que não. Depois do apanha-bolas, tem então a palavra o senhor diretor.

O primeiro contacto do atual diretor do Estoril Open com o torneio foi como apanha-bolas, em 1990

«Dou imenso valor ao trabalho que é feito pelos voluntários e por tudo o que trazem para o projeto. Eles fazem isto porque querem. Ajudam o torneio a acontecer. E vê-los em todas as ações com um sorriso no rosto, dá um gosto especial», explica o responsável que não tem dificuldades em colocar-se no lugar dos quase 90 jovens que se dedicam às mais variadas tarefas no Estoril Open.

«Para quem tem a paixão por esta modalidade, é ainda mais especial. Eu lembro-me da emoção que era estar no court com os tenistas que admirava: o Cunha e Silva, o Nuno Marques, ou o Emílio Sánchez, o espanhol que ganhou aquela edição», lembra Zilhão, voltando ao tempo de apanha-bolas.

Vale tudo: faltar às aulas, meter férias para ser voluntário…

Passaram-se quase 30 anos, mas as emoções descritas por João Zilhão não são muito diferentes daquelas que sente Carmo Henninger.

Aos 17 anos, a adolescente garante estar a viver um sonho. Além de ter sido praticante de ténis durante quatro anos, Carmo é uma apaixonada pela modalidade: desde os oito anos que vem todos os anos ao Estoril Open, já andou por Roland Garros, e agora tem a possibilidade de viver por dentro esta experiência.

«Estou a adorar tudo. É um sonho estar aqui, poder falar com os jogadores quando me cruzo com eles, só é pena não conseguir ver muitos jogos», aponta a jovem estudante, que está a faltar às aulas durante a semana em que decorre o Estoril Open. Mas com autorização da escola, atenção.

«No ano passado também me candidatei como voluntária, fui aceite, mas a escola não me autorizou a faltar porque tinha três testes nessa semana. Este ano tinha um, mas falei com a professora, ela deu-me autorização para adiar e por isso a escola já me permitiu faltar», explica.

Depois da desilusão em 2018, Carmo conseguiu «folga» da escola para ser voluntária

Mas voltemos um pouco atrás, às declarações desta voluntária. Carmo não tem a possibilidade de ver muitas partidas, porque é uma das responsáveis por ficar nos corredores de acesso às bancadas para ajudar o público a encontrar o setor onde se deve dirigir para assistir às partidas.

E esse é o principal papel da maioria dos 85 voluntários que este ano estão no Estoril Open: o apoio ao público.

Contudo, para garantir que nada falta ao público, é preciso ter a certeza que nada vai faltar aos próprios voluntários.

É nessa tarefa que encontramos André Velhinho. Pelo segundo ano consecutivo, André pediu férias nos dois empregos que tem – um como consultor informático e outro como assistente de loja - para poder estar no Estoril Open como voluntário.

Esse é um belo programa de férias, garante-nos. «É excelente para mudar de ares e ter uns dias diferentes da rotina habitual. Ainda para mais, conciliando isso com desporto».

«No ano passado, inscrevi-me porque percebi que era algo de que gostaria de fazer parte. Tive a sorte de ser selecionado, e aquilo que levei daqui fez-me voltar este ano», começa por dizer.

O principal papel de André Velhinho passa por garantir que nada falta aos voluntários. Quando o encontramos na pequena sala dos voluntários, ele é uma das três pessoas que vai distribuindo sandes, fruta e sumos pelos sacos que depois vão ser distribuídos pelos voluntários.

É também o jovem natural de Elvas o responsável pelo autocarro que, todos os dias, sai de Sete Rios pela manhã e transporta os voluntários para o complexo instalado no Clube de Ténis do Estoril, fazendo o percurso inverso ao final do dia.

E apesar da responsabilidade que tem, André garante que a adrenalina destes nove dias nunca se transforma em stress.

E depois, há o lado mais positivo de toda esta experiência: «As amizades que se levam daqui são a melhor parte. Temos de lidar com vários tipos de pessoas, todos com diferentes experiências e os laços que se criam ficam por muito tempo», assegura.

André (à esquerda) é voluntário no Estoril Open e diz que o melhor que leva são as amizades

«Para mim, esta é uma forma de voltar à sociedade»

Os voluntários ajudam o público, sim mas não só. São auxílio precioso para os jornalistas, também.

O Maisfutebol conhece Joel Diogo depois de se perder na zona técnica. Apesar de estar a aproveitar uma pequena pausa para descansar num banco à sombra, o voluntário levanta-se, começa por dar um mapa de todo o recinto, mas depois faz questão de nos acompanhar até ao ponto onde queremos chegar.

Pelo caminho, o homem, de 52 anos, aceita também partilhar a forma como chegou a voluntário do Estoril Open.

«A minha história é bem diferente da da maioria dos meus colegas voluntários mais jovens», começar por alertar.

Bem diferente, reforçamos também.

Apesar de toda a amabilidade com que nos ajuda, detetamos alguma mágoa no discurso de Joel. Nada que tenha a ver com o papel que desempenha no Estoril Open, contudo.

«Uma vez que o Estado não me deixa trabalhar, eu passo o meu tempo a fazer voluntariado. Já fiz em vários eventos, como a Eurovisão, mas este é especial porque é no mundo de um desporto que sempre me fascinou», explica.

O que este homem de Alfragide quer mesmo é poder servir, depois de algum tempo em que sentiu inútil, fruto de alguns problemas fiscais.

A história tem pouco a ver com ténis, é verdade. Mas merece ser contada, mais não seja porque nesta altura é este desporto que ajuda Joel a esquecê-la um pouco.

Até 2013, Joel teve uma pequena empresa, mas teve de a largar à pressa. A esposa foi diagnosticada com um cancro e Joel viu-se obrigado «a largar tudo». Pelo meio, não falhou com os funcionários que tinha, mas assume ter falhado com o Estado.

Os problemas vieram depois.

«Já sem a minha mulher, sem a empresa, e com duas filhas menores para criar, vi-me impossibilitado de trabalhar, de ter contas em bancos… tudo. Aquilo conseguia era logo penhorado», explica, reforçando o quão bem lhe faz estar envolvido em projetos de voluntariado. É isso que o ajuda a renascer.

«Esta é a minha forma de voltar à sociedade. De me reinserir. E tenho a felicidade de o estar a fazer neste ambiente. Apesar de sempre ter adorado ténis, nunca tive oportunidade de praticar. E assim, estou cá dentro. Tenho oportunidade de ver alguns jogos. E nestes dias, já consegui perceber que estes atletas são autênticos colossos. Tantos anos a ver ténis, e nunca tinha percebido como as emoções dos tenistas vão a extremos em poucos segundos, ao longo de um jogo», sublinha na despedida, antes de voltar ao trabalho.

Joel Diogo tem feito vários projetos de voluntariado e renasce um pouco mais em cada um deles

O americano de 69 anos que quis «perceber o outro lado»

Não menos surpreendente é a história de Robert Johnson. Este americano do Nebraska é um frequentador assíduo do Estoril Open. Este ano, porém, está a ser diferente. Em vez de comprar o bilhete todos os dias e sentar-se descansado a assistir a cada encontro, o homem, de 69 anos, passou para o outro lado.

Amante de ténis daqueles a sério - «todas as semanas jogo entre 10 e 15 horas» -, Robert quis viver o Estoril Open de forma distinta e é o mais velho dos voluntários presentes no torneio.

Perguntamos-lhe como está a ser a experiência, mas o sorriso com que nos recebe – o mesmo que tem para os espectadores que chegam à bancada do court central – até dispensava a pergunta.

«Está a ser uma maravilha», assegura num português fluente de quem está no nosso país há quase 50 anos. «A equipa de voluntários é muito boa e todos os responsáveis estão sempre muito preocupados para saber se estamos bem», enaltece.

«Como se mostra essa preocupação? Olhe, estão sempre a insistir para espalharmos protetor solar e nem me querem deixar ficar muito tempo ao sol. Eu é que tenho de insistir: já lhes disse que não me importo de estar sempre ao sol, porque assim posso ver os jogos todos», explica, sorridente.

Aliás, para este CEO de uma empresa de consultoria informática, ser voluntário parece só ter vantagens. «Oh, agora até posso chegar-me à frente para estar na primeira fila para o campo, algo que o público não pode fazer», atira, sempre bem-disposto.

E para ele, o que importa no meio disto tudo é mesmo o ténis. Ou não estivéssemos a falar de um atleta federado que a meio da conversa atira num sussurro: «há quatro meses era eu que estava ali no court e até ganhei o torneio.»

«Ver estes tipos a jogar dá mesmo vontade de bater umas bolas. Com eles? Oh, isso não, são muito fortes para mim. Mas amanhã de manhã já marquei para ir jogar com os meus amigos. Como vou estar no turno da noite, vou jogar de manhã», confidencia, antes de nos despedirmos, com a garantia de Robert: «no próximo ano é para repetir a experiência!»

E isso leva-nos novamente ao sonho do menino com que abrimos este texto. Lembra-se daquele sonho? Não é muito diferente do de Robert, certo?

Até porque, como dizia Gabriel Garcia Marquez, também ele um amante confesso de ténis, «não é verdade que as pessoas deixam de perseguir os sonhos porque ficam velhas. As pessoas ficam velhas porque deixam de perseguir os seus sonhos.»

Robert Johnson é o voluntário mais velho no Estoril Open, onde está por paixão ao ténis

 

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