Mamadou Ba e o "haraquiri nacional": "Não há mudança sem incómodo. O racismo mata" - TVI

Mamadou Ba e o "haraquiri nacional": "Não há mudança sem incómodo. O racismo mata"

Mamadou Ba, dirigente da associação SOS Racismo e ex-dirigentes do Bloco de Esquerda, esteve na TVI24, esta quarta-feira. O racismo foi o tema em cima da mesa

Mamadou Ba, 47 anos, nasceu no Senegal, emigrou para Portugal há mais de 20 anos e é um dos principais rostos nacionais da luta antirracista. Dirigente da associação SOS Racismo e ex-dirigente do Bloco de Esquerda, tem sido alvo de duras críticas por posições como a que assumiu publicamente em relação a Marcelino da Mata, que considerou um "criminoso de guerra", ou quando proferiu expressões como "a bosta da bófia" e "é preciso matar o homem branco".

Estas posições motivaram recentemente a criação de uma petição pública que visa a deportação de Mamadou Ba. O ativista considera que, ultimamente, todas as palavras que profere são extrapoladas, como aconteceu com comentários depreciativos sobre o falecido militar condecorado Marcelino da Mata.

Qualquer coisa que eu diga é polémica. Se dissesse que a Terra era redonda, era polémico. Portanto, estava perfeitamente consciente que qualquer declaração que fizesse em torno do Marcelino da Mata teria sempre suscitado esse tipo de reações [petição de deportação]”, refere o dirigente da SOS Racismo.

 

Mamadou Ba considera que Portugal permanece atracado um passado colonial e que impede "caminhar para o futuro".

O antirracista explica que "não há mudança sem incómodo" e realça que os portugueses têm de optar "se queremos permanecer no passado".

Tenho consciência de que não há mudança sem incómodo. Sei que as minhas palavras causam incómodo, porque sem incómodo não se muda nada. Quando digo as minhas palavras não vou usar meias-tintas nem paninhos quentes. (...) Para despertar consciência e para convocar as pessoas a aderir àquilo que acho que é o mais importante desafio da nossa democracia: fazer uma escolha entre se queremos caminhar para o futuro ou se queremos permanecer no passado”, afirma Mamadou Ba.

 

Relativamente às críticas vindas da direita, o dirigente da SOS Racismo confessa que sente alguma "perplexidade" para entender os fundamentos das mesmas. Mamadou Ba lembra o caso de Marielle Franco, política brasileira assassinada, e explica que "o antirracismo nunca matou ninguém", ao contrário do racismo.

“O que eu defendo, o antirracismo, nunca matou ninguém. O racismo mata e por vezes morresse pelo antirracismo. O caso de Marielle Franco é exemplo disso”, diz o ativista.

 

Quanto à petição que visa a deportação do ativista, Mamadou Ba garante que já ouviu colegas caucasianos a proferir palavras mais ásperas do que as que disse sobre Marcelino da Mata sem que nunca se tivesse gerado uma indignação pública idêntica.

Tantos brancos já disseram pior do que aquilo que eu disse e nunca se moveu nenhuma petição, ou nunca houve um haraquiri nacional, em torno das suas palavras. (...) A petição diz na sua última frase: para que sirva de exemplo... Exemplo para quê? Para que nunca mais uma pessoa racializada possa usar da palavra no espaço público? É disso que se trata? É essa a democracia que queremos? Estamos em democracia. As pessoas podem discordar daquilo que eu digo. Podem refutar o que digo. Mas, não me podem interditar de falar”, esclarece Mamadou Ba.

 

O ex-dirigente bloquista acrescenta que Portugal necessita identificar o que foi feito de mal no passado, para ser capaz de projetar um futuro melhor e reitera que é tão português como qualquer outro cidadão.

Um país que não se consegue olhar ao espelho, não consegue projetar-se para o futuro. O nosso espelho está no passado. É preciso olhar para o espelho e identificar aquilo que de mau fizemos coletivamente. Eu sou tão português como qualquer um de vocês que está aqui neste estúdio”, reitera o ativista.

 

Mamadou Ba explica que a cisão com o Bloco de Esquerda não foi motivada unicamente pela expressão "bosta da bófia", mas sim por "divergências programáticas".

O antirracista reitera que os partidos políticos não são uma ilha, mas sim uma extensão de uma "sociedade que em si é estruturalmente racista".

A esquerda está a falhar a si própria. Onde há mais desigualdade é nas margens da sociedade. (...) Não deu ainda a centralidade política à questão racial. O racismo em Portugal é um racismo estrutural. Os partidos não são uma ilha, a sociedade em si é estruturalmente racista. Quando eu digo que Portugal é um país racista, não estou a dizer que todos os portugueses são racistas”, esclarece o dirigente da SOS Racismo.

 

De uma coisa Mamadou Ba não tem dúvidas: "A democracia não convive com o racismo". O ativista reitera que existe uma necessidade urgente de compromisso coletivo na luta antirracista, que diz ser "um combate pela democracia".

Sou um otimista incurável. É por isso, que estou em luta. Mas, o meu otimismo não me chega. É preciso um compromisso coletivo da nossa sociedade. O combate ao racismo não é só das pessoas racializadas. É um combate pela democracia. Não é viável uma democracia em que parte da comunidade está fora do tecido nacional. Sou antirracista por convicção e por condição, porque sou negro. Convicção, porque sou democrata. A democracia não convive com o racismo”, culmina Mamadou Ba.

 

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