Itália desafia nervos de Bruxelas e outros podem levar por tabela - TVI

Itália desafia nervos de Bruxelas e outros podem levar por tabela

Luigi di Maio, Mateo Salvini e Giuseppe Conte

Eurogrupo discute esta segunda-feira chumbo do Orçamento italiano. Governo tem feito finca-pé, diz que podem vir as cartas que quiserem que não vai alterar projeto considerado despesista. Há penalizações para o incumprimento? Quais os riscos para a zona euro, Portugal incluído?

Primeiro, a Comissão Europeia fez o que nunca fez: chumbou o projeto orçamental de um país. Depois, Itália não gostou, dizendo que “até podem mandar 12 cartas que os orçamentos não vão mudar”. A verdade é que o prazo está a correr para ser apresentada outra proposta de orçamento para 2019. Entretanto, esta segunda-feira o Eurogrupo discute a primeira versão,  que muita tinta tem feito correr.

Há o risco de se cair já em julgamentos? O presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, não quer isso. Mas que sobretudo o vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, tem desafiado Bruxelas, lá isso tem. Não há como não pensar nas consequências que este finca-pé poderá ter, sobretudo se o governo levar a sua avante até ao fim. Consequências para Itália e para a zona euro como um todo.

Por que razão foi chumbada a primeira versão do orçamento italiano?

Bruxelas defende que o orçamento apresentado viola as regras do Pacto Orçamental, por ser despesista. Argumenta que Itália ter como objetivo um défice de 2,4% do PIB para 2019 é pouco ambicioso para que a dívida do país baixe, isto numa altura em que Roma apresenta tão-só a segunda dívida mais alta da UE (que representa 131% do PIB). Com uma dívida de tal ordem, e respeitando as regras do Pacto de Estabilidade, as medidas deveriam ir antes no sentido de o défice cair para baixo dos 0,5% do PIB. Daí Orçamento ter sido chumbado através do mecanismo de correção automática.

O que argumenta o governo italiano?

Defende que precisará de gastar mais por causa da falta de crescimento da economia. E há outro problema, já que está em causa um governo de coligação, pelo que o primeiro-ministro Giuseppe Conte tem de fazer cedências.: ao parceiro Matteo Salvini, líder do partido de extrema-direita e atual ministro do Interior, que prometeu baixar os impostos para as empresas; e ao ministro do Desenvolvimento Económico, Trabalho e Políticas Sociais, Luigi di Maio, que defende um rendimento mínimo para desempregados.

Se Itália não entregar uma nova versão do orçamento até 13 de novembro, o que pode acontecer ao país?

Abre-se caminho a uma penalização inédita. As regras estipulam um depósito correspondente a 0,1% do PIB (à volta de 1.700 milhões de euros) numa conta sem juros, dinheiro que só poderá ser recuperado quando Itália corrigir a situação.

Mas há o risco de o país perder mesmo esse dinheiro – ser-lhe aplicada, no fundo, uma multa – se o Governo continuar a ignorar as recomendações da Comissão.

Acontece que poucos acreditam que essa multa poderá mesmo materializar-se. Basta olhar para exemplos passados: Alemanha e França também violaram as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (mantendo défices superiores a 3% do PIB), mas viram os ministros das Finanças suspenderem os processos disciplinares, em 2004. Na altura, o Tribunal Europeu de Justiça criticou essa atitude.

O Pacto Orçamental acabou por entrar em vigor só em 2013. Tem uma "regra de ouro": os países devem consagrar com valor vinculativo e permanente na legislação nacional, obriga cada Estado-membro subscritor do pacto a não ultrapassar um défice estrutural de 0,5% e a ter uma dívida pública sempre abaixo dos 60% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar disso, França, Portugal e Espanha conseguiram escapar às sanções.

E se Itália não quiser pagar essa multa?

O problema está aí. É que pode fazê-lo. Ou seja, por mais que exista a ameaça, pode não dar em nada. Mateo Salvini, que é também vice-primeiro-ministro desafiou, inclusive, Bruxelas a pedir o dinheiro que quiser, que não é a Itália que o vai arrecadar.

Entrar no Procedimento por Défices excessivos (PDE), como aconteceu com Portugal, é uma hipótese?

A questão é que a estimativa de défice para 2019 é inferior à barreira de 3%. Acima disso é que os países entram no PDE. Para além de que, mesmo desencadeando, o procedimento é tão longo que se torna contraproducente neste caso. E Itália sabe que isto joga a seu favor.

Como é que os mercados estão a reagir?

 Os investidores têm-se mostrado preocupados com a pressão sobre o sistema bancário. O prémio de risco mais do que duplicou desde maio, estando agora acima dos 3%. O Global Ratings da Standard & Poor’s veio reafirmar a classificação de crédito do país no passado dia 26 de outubro, o que acalmou um pouco os nervos.

Quais os riscos para Itália e restantes países, Portugal incluído?

Existem, podem ser elevados. Itália é a quarta economia europeia e teme-se uma subida imparável dos juros, criando nervosismo, pânico até, entre os investidores. E nestas coisas dos mercados, o efeito contágio facilmente se pode fazer sentir, com os países periféricos – caso de Portugal - a levarem por tabela. 

Seja como for, e segundo explicou o analista Filipe Garcia à TVI24, poderá haver dois tipos de efeitos para Portugal. 

Um tem a ver com o facto de portugal ser percebido com país ter dívida elevada e crescimento relativamente lento (embora números melhores do que Itália nesse ponto em concreto, mas na lista dos mais endividados, aparece logo Portugal a seguir).  Num contexto de maior tensão, e não estamos lá, é preciso dizê-lo, Portugal fica logo mais vulnerável, com a possível subida dos juros do BCE e dos mercados"

O segundo fator de contágio mais grave e que atingiria Portugal, é mais uma demonstração de como é difícil gerir estes desequilíbrios na zona euro. Há a particularidade de as dívidas não serem consolidadas, não há uma solidariedade, digamos assim, os países não respondem uns pelos outros, cada país continua a ser responsável pela sua dívida, o que  provoca tensões na zona euro".

Ainda assim, a dívida pública está na sua maioria dentro de portas, nas mãos de investidores italianos, o que pode minorar estes efeitos. A exposição da dívida portuguesa à italiana, de resto, não tem grande peso e "até tem reagido de forma calma ao que tem acontecido", aponta o mesmo analista. 

Para além disso, "aparentemente há consenso político" em Portugal "bem diferente do que há em Itália, no sentido de que se deve cumprir as regras orçamentais".

Pode haver alguma decisão no Eurogrupo de hoje?

Não. À partida, os ministros das Finanças da zona euro deverão limitar-se a dar a sua opinião sobre esta situação inédita e “aguardar serenamente e depois ver como agir”, em função da resposta de Itália. O que deverá ser posto preto no branco hoje é o apoio generalizado do Eurogrupo ao parecer do executivo comunitário.

O presidente do Eurogrupo já considerou natural a decisão da Comissão Europeia de pedir a Itália que reformule o seu projeto orçamental para 2019, considerando que está simplesmente a aplicar “as regras que sustentam o euro”. Mário Centeno instou Roma e Bruxelas a manterem um “diálogo construtivo”.

E sobre o Orçamento português?

Haverá na reunião de hoje também uma primeira apreciação dos projetos orçamentais dos restantes países-membros da zona euro, Portugal incluído, mas sem qualquer decisão. Isto porque a Comissão Europeia deverá emitir os seus pareceres apenas na segunda quinzena de novembro.

Portugal foi um dos seis países aos quais Bruxelas pediu algumas "clarificações", mas, tal como Bélgica, Eslovénia, Espanha e França, não suscita inquietações de maior. O caso é “muito distinto” do italiano, como de resto foi admitido pela Comissão.

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