O poema de despedida do responsável pela linha SNS24 - TVI

O poema de despedida do responsável pela linha SNS24

  • 5 mar 2020, 19:42

Governo nomeou um novo conselho de administração para os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), entidade responsável pela Linha SNS 24, apanhando de surpresa o atual presidente, Henrique Martins.

O Governo nomeou, nesta quinta-feira, um novo conselho de administração para os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), entidade responsável pela linha SNS 24, apanhando de surpresa o atual presidente, Henrique Martins.

Henrique Martins disse não compreender esta decisão, uma vez que não só a entidade estava a cumprir os objetivos estabelecidos por contrato como já tinha manifestado disponibilidade para continuar no cargo.

O mandato acabou a 31 de dezembro, mas eu entendo que a entidade está a trabalhar, está a funcionar, e foi um pouco de repente esta informação”, disse Henrique Martins à Lusa.

Fonte do Ministério da Saúde disse à TVI que o processo de nomeação de um novo órgão de gestão estava a decorrer desde o final do ano, culminando hoje na indicação de Luís Goes Pinheiro, ex-secretário de Estado do Governo socialista, para o cargo.

Numa altura em que há um surto de Covid-19 em Portugal e depois de terem sido apontadas falhas ao funcionamento da linha SNS 24, Henrique Martins não acredita que a sua substituição esteja relacionada.

O contrato que nós temos com o operador, que é a Altice, tem um limite máximo que são as 10 mil chamadas e isso foi atingido. Portanto, nós gerimos bem o contrato. O que acontece é que temos um excesso de chamadas causado por esta situação, que é uma situação completamente atípica”, sublinhou.

O conselho de administração também pediu ao Ministério da Saúde que “atuasse em relação à disponibilização de enfermeiros e horários extra, logo na terça-feira, para resposta a esta situação, mas isso não foi feito”.

Por isso, não pode ter sido por essa razão que quanto muito estaria do lado deles e não do nosso”, vincou Henrique Martins.

O responsável afirmou que gostaria de continuar no cargo, contando que apresentou essa disponibilidade à secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Jamila madeira, no final de novembro.

Fiz isto para garantir que era feita uma nomeação com tranquilidade, com calma, já antevendo um bocadinho que íamos ter um inverno difícil e voltei a insistir”, disse, referindo que pediu uma audiência com a ministra da Saúde, Marta Temido, em meados de janeiro, que não lhe foi dada.

Segundo Henrique Martins, a intenção da audiência era “todo o conselho mostrar a sua disponibilidade para mais um mandato que legalmente podia fazer”.

Além de Henrique Martins, saem os vogais Artur Mimoso e João Martins, que foram substituídos Sandra Cavaca e Domingos Pereira.

Carta de despedida

A TVI teve acesso à carta de despedida que Henrique Martins escreveu hoje aos trabalhadores dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. 

"Atento a mudança de CA da SPMS, agradeço tudo o que fizemos em conjunto e o que planeamos fazer. Deixo meu contacto e uma nota pessoal:
 
“Somos todos” velas
 
Consumo-me.
Consumo-me no que acredito
Consomes-te, dizem-me aflito
O amigo, a família e o corpo
Morto, que não te veja morto!
 
Mas consumo-me no que acredito
Como vela que arde num devir infinito
Consumo-me no que acredito
 
Somos como velas
E é vê-las
Que quanto mais brilham e ardem
Quando mais fazer e mostram
Mas incomodam e acedem
Mais iluminam e revelam
Mais põem a nu
O que outros não fazem, não querem
Não gostam, escondem, mentem e enganam
 
Como velas de pavio forte
Queimamos ao luar
Das madrugadas passadas
A Trabalhar
A escrever, a digitar
A Criar o digital na saúde em Portugal
9 anos acessos, pela força e paixão
Como velas que ardem dentro do coração.
 
Mas consumo-me no que acredito
Como vela que arde num devir infinito
 
Sinto hoje a dor do desprezo e da ignorância
A falta de coragem, que nem falta a uma criança
Que sobe ao quarto na noite escura que a vela acesa
Tem por segura
Guerra que levará por diante, iluminando a mente
Até do mais distante…
No mundo vêm se as velas acesas, como a minha
Só na minha terra, a querem apagar
 
Só na minha terra a querem apagar
Apagar uma vela? Será possível
apagar das cabeças de quem viu a luz?
“É favor apagar a luz!” deve ter sido assim a ordem
 
Apagar a luz…
A estratégia, a visão?
De médicos a fazerem receitas só com uma mão
No telemóvel.
Doentes a falar com eles no Portal
E todas as receitas sem papel
E plataformas sem fim, e tantas coisas tantas
Que outros vêem como a luz:
Como estrelas que se seguem,
Vieram do Japão, do Brasil,
da Austrália e sítios mil.
Até de outros Ministérios,
Esses que guardam outros tantos mistérios.
 
Ontem, quis o vento
de repente que a vela se apague
lento e sorrateiro, sem dignidade nem poleiro,
Quis um vento que esta vela
não se consumisse mais
Ironia: Que se poupe…
Assim sobra para outras noites
Outros negros cantos iluminar
- Assim poupas-te! Diz-me o amigo.
Assim fico com pavio para voltar a acender
Talvez noutra terra, noutra instituição
Sempre com mesma força e paixão.
 
Quis uma decisão críptica, informada na noite escura,
Que esta alma se calasse e não dissesse ao mundo
O que se passa de mal no Estado em Portugal
 
Somos como velas.
Consumimo-nos no que acreditados.
E eu acredito que é possível mudar PORTUGAL
  
Alcainça, 5 Março 2020
Henrique Martins"

 

 

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