Peste negra em Portugal: "Há sempre o risco de um surto" - TVI

Peste negra em Portugal: "Há sempre o risco de um surto"

  • Henrique Magalhães Claudino
  • Com Lusa
  • 7 jul 2020, 13:49
Peste negra

Entre 2010 e 2015, pelo menos 584 mortes foram causadas pela peste. Quase todos os casos registados desde os anos 90 ocorreram em África dentro de comunidades agrícolas ou pequenas aldeias.

Desde dezembro de 2013, altura em que foi registado o surto de Ébola na Guiné, que o professor Tiago Correia, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical usa um mapa atualizado com todos os vírus e bactérias em circulação no mundo. “A peste bubónica, garanto, sempre lá esteve”.

Por isso, a notícia de um caso confirmado de peste na região autónoma da Mongólia não surpreendeu o especialista em saúde internacional que sublinha que surtos e epidemias acontecem aos milhares todos os dias nos mais variados pontos do globo.

A peste, como a Ébola, continua ativa. O que aconteceu no mundo ocidental foi que nós ignoramos que este tipo de coisas acontecem no planeta e ignorámos porque nunca nos bateu à porta”, afirma o professor Tiago Correia. 

A associação da peste a um período sombrio da idade média e a uma bactéria que, de acordo com algumas estimativas, terá provocado a morte de metade da população europeia no século XIV não é factual. De facto, de acordo com o Centro Europeu para Controlo de Doenças, nos últimos anos ocorreram 3.248  casos de peste bubónica e pneumática, ambas causadas pela bactéria Yersinia pestis

Entre 2010 e 2015, pelo menos 584 mortes foram causadas pela peste. Quase todos os casos registados desde os anos 90 ocorreram em África dentro de comunidades agrícolas ou pequenas aldeias. Nos últimos 10 anos, dois terços a três quartos dos casos são notificados em Madagáscar

O registo de um caso de peste em um pastor internado na região de Bayannur, a cerca de 860 quilómetros de Pequim, que se encontra em isolamento forçado e cujo quadro clínico é "estável", leva o professor Tiago Correia a afirmar que “agora, de repente, descobriu-se que a peste afinal existe, mas ela tem sempre existido”.

Vírus antigos que nós sabemos que são mortais nunca deixaram de existir. A diferença é que não tínhamos consciência. Mas a peste nunca deixou de existir. Já existia ontem e anteontem e nunca ninguém tinha parado para pensar sobre isto. Da mesma forma que continua a existir Gripe das Aves, o SARS e o MERS”, afirma. 

 

“Há risco. Há sempre risco”

Das pestes provocadas pela bactéria Yersinia pestis a bubónica é a mais comum. O nome é inspirado pelos sintomas que causa: linfonodos inchados ou "bolhas" na virilhas ou nas axilas.

A doença alastra-se no corpo do doente com peste bubónica entre dois e seis dias após a infecção que pode ainda afetar os pulmões, causando dores no peito e dificuldade em respirar.

A bactéria pode também entrar na corrente sanguínea e causar uma condição chamada septicemia ou sepse, que pode levar a danos nos tecidos, falência de órgãos e morte.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a peste é usualmente transmitida através de pulgas infetadas, ratos e ratazanas. Outro meio de propagação são as gotículas do ar.

Em declarações à Lusa a propósito dos casos reportados na China, o infeciologista Jaime Nina, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, explicou que, na ausência de antibióticos e quando uma pessoa é infetada e o organismo não consegue travar a disseminação da bactéria, em cerca de metade dos casos dá uma infeção fulminante e morte.

Quanto à possibilidade de transmissão pessoa a pessoa, Jaime Nina explicou que ela apenas poderá acontecer quando o bubão não trava a bactéria e esta se espalha pelo sangue, atingindo o pulmão e dando origem a uma peste pneumónica. Aí, “se o doente sobreviver tempo suficiente, pode transmitir-se pela tosse”.

Esta peste pneumónica “é extraordinariamente grave e tem uma mortalidade de praticamente 100%”, acrescentou.

A facilidade de contágio deve implicar preocupações adicionais? O professor Tiago Correia acredita que a resposta deve partir da nossa capacidade de monitorizar a situação. “Sabemos que os vírus e as bactérias por um motivo ou por outro podem aumentar a sua escala se houver circulação de pessoas ou de animais”.

Tiago Correia acredita que “há sempre risco” de ocorrer um surto internacional. “Agora, a questão é: esse risco é maior hoje do que era há um mês atrás? Não. Não há indicadores que nos façam ficar assustados porque há peste, até porque a peste tem sempre cá estado.”

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou esta segunda-feira que está a vigiar de perto os casos de peste bubónica detetados na China e na Mongólia, enfatizando que a situação não representa uma grande ameaça e está "bem administrada".

"No momento, não consideramos que seja de risco elevado, mas estamos a vigiar de perto" a situação em parceria com as autoridades chinesas e mongóis, disse a porta-voz da OMS, Margaret Harris, numa conferência de imprensa em Genebra.

A peste bubónica esteve e está connosco há séculos", disse Margaret Harris.

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