Perfil: Patriarca da dinastia Bush adorava dar-lhes palmadinhas no rabo - TVI

Perfil: Patriarca da dinastia Bush adorava dar-lhes palmadinhas no rabo

  • Paulo Delgado
  • 1 dez 2018, 10:30

O homem que selou o fim da Guerra Fria e liderou uma invasão do Iraque tornou-se alvo de acusações de assédio sexual no final da vida

Pai, petróleo, poder e até palmadinhas no rabo serão marcas da vida de George Herbert Walker Bush, que os norte-americanos se habituaram a designar como Bush 41, a numeração que foi a sua quando chegou à presidência dos Estados Unidos da América, sucedendo ao também republicano Ronald Reagan, de quem fora vice-presidente.

No final de 2017, aos 93 anos, o 41.º presidente norte-americano viu a sua adoentada velhice, que ia passando a par da sua legítima esposa Barbara, cercada de acusações de assédio sexual. Uma tara pesada que, diga-se, muitos outros líderes norte-americanos também tiveram de suportar, dos democratas Kennedy e Clinton até ao atual, republicano, Donald Trump.

Uma, duas, três, pelo menos oito mulheres queixaram-se publicamente dos avanços do velho pai Bush. Antes, durante a presidência, que durou de 1989 a 1993, e depois.

Debilitado, numa cadeira de rodas, com frequentes problemas de saúde e internamentos, coube ao porta-voz Jim McGrath assumir em declarações à revista Time que George H. W. Bush, às vezes “dava uma palmada nos traseiros de mulheres, de uma maneira pretensamente boa”.

“Alguns viram isso como algo inocente, outros claramente como inapropriado. A qualquer uma que tenha ofendido, o presidente Bush apresenta as suas mais sinceras desculpas”, acrescentou então o porta-voz, continuando a esfarrapar-se em justificações, sempre que mais um caso vinha a lume.

Um dos mais escaldantes surgiu pela voz de Roslyn Corrigan. Em 2003, tinha 16 anos e o pai Bush já ia nos 79. “Enquanto diziam ‘um, dois, três', ele baixou as mãos até às minhas nádegas e, de forma rápida, apalpou-me, o que pode explicar porque fiquei de boca aberta na fotografia”, contou a mulher à revista Time.
 

Um pai “nazi-fascista”
 

George H. W. Bush nasceu em 1924, no estado de Massachusetts, no nordeste atlântico dos Estados Unidos. O pai, Prescott Sheldon Bush, banqueiro e político, chegaria a ser senador pelo Connecticut, entre 1952 e 1963. Mas antes, ficaria ligado a uma tentativa de derrubar o presidente democrata Roosevelt e instaurar um regime nos Estados Unidos inspirado nas ideias fascistas e nazis de Mussolini e Hitler. Que, diga-se, até colecionavam muitos admiradores de renome fora de Itália e Alemanha no início da década de 30.

Em 1933, os Estados Unidos, e também o mundo, atravessavam a Grande Depressão, motivada pela crise bolsista de 1929 em Nova Iorque. Franklin Delano Roosevelt, acabado de ser eleito, lançava as bases do New Deal para relançar a economia, em moldes que não agradavam aos grandes patrões da indústria.

Em 2007, uma investigação levada a cabo pela BBC Radio 4 revelou que Prescott, pai do futuro presidente George, liderou uma conspiração para derrubar o presidente Roosevelt. Com armas na mão, mobilizando 500 mil veteranos de guerra, se necessário, sob a capa da American Liberty League, suportada por famílias donas de impérios industriais como a Heinz, Colgate, Birds Eye e General Motors.

A ideia da intentona seria a de "adotar as políticas de Hitler e Mussolini para vencer a Grande Depressão” nos Estados Unidos, citando a BBC Radio 4. A intenção não vingou. Roosevelt manteve-se no poder e entraria na II Guerra Mundial, apenas em 1941, quando os japoneses atacaram o porto de Pearl Harbour, no Havai. O que levou George H. W. Bush a alistar-se.
 

Texas George

 
No dia em que fez 18 anos, o homem que mais tarde seria o 41.º presidente norte-americano alistou-se na Marinha. Tornou-se o mais jovem piloto-aviador até então e terminou a guerra com condecorações.

Finda a II Guerra Mundial, Bush regressou à vida civil. Casou-se com Barbara e seguiu as pisadas do pai. Entrou para a Universidade de Yale, onde se licenciou em Ciências Económicas, e aí também integrou a sociedade secreta estudantil Skull and Bones. Cujos membros têm de ser homens, de raça branca e protestantes. E com algum de seu, já agora.

Estudos acabados, George H. W. Bush mudou-se para o estado sulista do Texas, onde meteu mãos à obra nos oleosos negócios do petróleo. Enriqueceu, mais ainda, tornou-se milionário e meteu-se na política, nas fileiras do Partido Republicano.

Em 1966, conseguiu ser eleito para a Câmara dos Representantes. O mais velho dos seus seis filhos, também George, de seu nome, tinha então 20 anos. Já neste século, também ele seria presidente dos Estados Unidos, mantendo então uma relação um tanto ou quanto tensa com o pai.

Degrau a degrau, o patriarca Bush foi subindo a escadaria da política republicana. Foi embaixador norte-americano nas Nações Unidas, em 1971, diretor da CIA, a agência de serviços secretos, em 1976, e tentou a candidatura presidencial quatro anos depois.

Mas em 1980, o Partido Republicano preferiu apoiar Ronald Reagan, um ator de Hollywood de segunda escolha, que se tornaria o número um na Casa Branca. George Bush teve a consolação de o acompanhar como vice-presidente, durante dois mandatos. E passados esses oito anos, tendo tomado o gosto às instalações, candidatou-se. Venceu o democrata Michael Dukakis e chegou à presidência dos Estados Unidos.
 

Guerras e pazes

 
George H. W. Bush tornou-se o 41.º presidente dos Estados Unidos da América. Empossado em 20 de janeiro de 1989, recebeu de Reagan a herança de uma Guerra Fria com a União Soviética que se aproximava do fim, após o patrocínio de décadas de conflitos regionais por ambos os blocos e cimeiras de prometida desmilitarização.

"Mr. Gorbachev, tear down this wall!", fora a exigência feita ao último presidente soviético por Reagan, em 1987, em Berlim, nas comemorações do 750.º aniversário da cidade, que voltaria a ser capital após a reunificação das Alemanhas. Já com Bush como presidente, o muro seria mesmo deitado abaixo. A União Soviética também iria ruir no final de 1991.

Calhou a Bush findar a Guerra Fria, pelo seu lado, de forma pacífica. Entretanto, já se estreara nas artes da guerra. Primeiro, em 1989, invadiu o Panamá para capturar o general Manuel Noriega, acusado de fomentar o tráfico internacional de drogas, que viria a morrer na prisão em 2017. No ano seguinte, liderou as forças militares ocidentais que intervieram no Iraque, após Saddam Hussein ter invadido o pequeno, petrolífero e rico país vizinho chamado Kuwait.

Saddam, então, foi poupado e continuou no poder em Bagdade. Na década anterior, fora até apoiado pelos norte-americanos no conflito que desencadeou quando invadiu o vizinho Irão, saído da revolução islâmica xiita, que depusera o Xá da Pérsia, Reza Pahlevi.

Só que na guerra Irão-Iraque, os norte-americanos jogaram nos dois tabuleiros. Por debaixo da mesa, violando um embargo internacional, soube-se, em 1986, que a CIA facilitara a venda de armas aos iranianos. Para conseguir a libertação de reféns e obter fundos para apoiar os que combatiam o presidente sandinista da Nicarágua, Daniel Ortega.

Anos depois, o escândalo Irão-Contras viria a marcar o final do único mandato George Bush, que decretou um perdão a seis altos funcionários implicados no caso. Mas a reprovação por parte do eleitorado norte-americano que lhe travou a intenção de ser reeleito deveu-se, em muito, a ter viabilizado aumentos de impostos. Quebrando uma promessa de campanha que ficou para as calendas gregas: "Read my lips: No new taxes".
 

Tal pai…
 

Em 1992, o então jovem senador democrata do estado do Arkansas, Bill Clinton, venceu George H. W. Bush nas presidenciais e manteve-se oito anos na Casa Branca. Um outro George Bush, republicano tal como pai, voltaria a ser inquilino de Washington. Mas só a partir de 2001.

Derrotado nas urnas, o pai Bush manteve-se discreto, fora dos holofotes da política, vivendo com a mulher Barbara nas suas casas de Houston, no Texas, e de Kennebunkport, no Maine.

“Após deixar as funções, Bush 41 não quis uma pós-presidência de ativista, dizendo ‘Não quero salvar o mundo’”, considera o historiador Mark Updegrove, autor de "The Last Republicans: Inside the Extraordinary Relationship Between George H.W. Bush and George W. Bush", numa entrevista ao The Dallas News.

Neste livro, editado em 2017, Mark Updegrove avalia o relacionamento entre Bush pai e Bush filho, defendendo ser o clã familiar o último bastião tradicional do Partido Republicano, tomado de assalto por uma ala radical e populista que tem Donald Trump como ponta-de-lança.

Na corrida à nomeação republicana, Jeb Bush, antigo governador da Florida, filho de George e irmão mais novo do também George, ainda esboçou uma candidatura. Mas acabou por desistir. Trump seria o escolhido. Primeiro, no partido, depois, pelo país.

Em 2016, em plena campanha eleitoral, foi o patriarca que voltou a surpreender, ao anunciar que iria votar na candidata democrata. Na entrevista para o livro de Mark Updegrove, Bush pai assumiu que votou mesmo em Hillary Clinton, porque achava Trump "egocêntrico" e "fanfarrão". Já George Bush filho preferiu dizer que não votou em ninguém.

A 25 de novembro de 2017, George Herbert Walker Bush tornou-se o presidente norte-americano que mais anos viveu. Cumpriu então 93 anos e 166 dias, suplantando a longevidade de Gerald Ford. Até hoje…
 

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